Capa do episódio 51“Another Brick In The Wall, é o muro que derrubou muros!”

Estamos iniciando a temporada das continuações com uma das maiores bandas do Rock Progressivo de todos os tempos e o hino de protesto que marcou várias gerações. É claro que estamos falando do “Pink Floyd” e a icônica “Another Brick In The Wall”.

Download

Formato: MP3/ZIP
Tamanho: 91,5 MB

 

Paramos o episódio 7 no “The Dark Side of The Moon”, de 1973. Esse foi o oitavo disco do Pink Floyd e um dos mais aclamados pela crítica especializada. Também é o mais vendido da banda e o terceiro mais vendido do mundo, ficando atrás apenas de “Thriller”, do Michael Jackson, e “Back in Black”, do AC/DC.

Estima-se que Dark Side tenha vendido mais de 50 milhões de cópias e tanto sucesso, inevitavelmente, marcou uma mudança brusca na banda, que nesse momento passou a ser reconhecida no mundo todo. Eu, como técnico de som e produtor musical, até hoje quando ouço continuo de queixo caído. O Pink Floyd, sem a influencia direta de produtores, encontrou o som na química entre os integrantes e nas horas infinitas em estúdio à procura do timbre perfeito.

Depois de uma longa e bem-sucedida turnê pelo Reino Unido tocando as músicas do “Dark Side”, o Pink Floyd finalmente voltou ao estúdio em janeiro de 1975 com o compromisso de trabalhar em seu nono álbum de estúdio, que seria batizado como “Wish You Were Here”.

Como em time que está ganhando não se mexe, o mesmo auxiliar de produção de “Dark Side”, Alan Parsons, foi convidado para trabalhar no novo disco da maior banda da época e, veja que audácia, ele negou! Parsons havia começado sua carreira como auxiliar no EMI Studios, também conhecido como Abbey Road, e trabalhou em várias produções.

Alan Parsons

Mas, assim que foi creditado pelas gravações dos dois últimos discos dos Beatles, “Abbey Road” de 69 e “Let It Be” de 1970, a sua importância no estúdio foi elevada, principalmente quando assinou a coprodução do “Dark Side of The Moon”, e imediatamente se tornou um produtor requisitado. Como eu disse, Parsons se recusou a trabalhar novamente com o Pink Floyd, porque ele havia montado a sua banda e queria se dedicar a ela. Estamos falando do “Alan Parsons Project”, que teve sua importância na história da música também.

No lugar de Parsons, Roger Waters, decide convidar Brian Humphries, que havia trabalhado recentemente como engenheiro nas gravações do Traffic e do Black Sabbath e… segue o jogo. Inicialmente, o Pink Floyd estava meio travado com as composições do novo disco, sem conseguir encontrar um repertório relevante. Também! Imagina a pressão para fazer algo ao menos equivalente depois do “Dark Side”?

O Pink Floyd poderia ter acabado nessa fase e mesmo assim eles ainda seriam relevantes e ricos. Então, existia também uma certa resistência por parte dos integrantes, que já haviam atingido o topo da indústria fonográfica. Isso sem falar no período de um ano que eles passaram em estúdio gravando o “Dark Side”. Aquilo os havia deixado fisicamente e emocionalmente esgotados.

O tecladista Richard Wright mais tarde descreveu essas primeiras sessões de “Whish You Were Here” como “um período difícil para a banda” e Waters as considerou até “torturantes”. O guitarrista David Gilmour, que havia substituído Syd Barret anos antes, era o único com gás e continuava interessado em melhorar a sonoridade da banda. O casamento do baterista Nick Mason ia de mal a pior e, somado a tudo isso, um mal-estar geral dominou o clima da banda no estúdio.

Sessão de gravação de Wish Were Here (1975)

Ricos, famosos, egocêntricos e sem direção artística, as chances de o Pink Floyd acabar antes de “Whish You Were Here” foram reais. Mas, Roger Waters, após muita reflexão, começou a visualizar um novo conceito. Entenda que o Pink Floyd havia atingido um patamar artístico inquestionável e isso permitia que eles testassem as novas ideias ao vivo, mesmo quando aquilo não estivesse pronto, pois a improvisação fazia parte do show… E, no ano anterior, 1974, eles haviam esboçado três composições originais nos shows que haviam tomado forma. Estas composições tornaram-se o ponto de partida.

“Have a Cigar” vinha com a missão de criticar os “chefões” da indústria musical. Ela foi lançada como single duplo junto com a “Welcome To The Machine”, que tem a mesma temática. David Gilmour em busca de algo novo, tocou ao acaso um riff de guitarra que fez Waters lembrar o jeito que o ex-colega de banda, Syd Barrett, tocava. Mesmo fora da banda há anos, o ex-integrante lunático foi fonte de inspiração do Pink Floyd em vários discos. Isso aconteceu principalmente em “Wish You Were Here”. O Pink Floyd não tinha assessoria de comunicação e era muito assediado pela imprensa especializada que, irritada por ser esnobada, passou a provocá-los, enaltecendo Syd Barrett e dando espaço para críticas de fãs que não curtiam os rumos “comerciais” que o Floyd havia tomado sem Barrett… Isso fez Roger Waters refletir ainda mais sobre o ex-colega de banda que havia ficado maluco. Roger transformou isso no gatilho e passou a compor: “Eu queria chegar o mais próximo possível do que eu sentia… eu busquei [aquela] melancolia indefinível e inevitável sobre o desaparecimento de Syd.”

Sid Barrett apareceu no estúdio em 1975

De tanto falarem nele, Syd Barrett acabou aparecendo no estúdio em uma visita surpresa. Storm Thorgerson, o homem por trás das capas dos discos do Pink Floyd, estava lá e relatou que Syd se sentou e conversou um pouco, mas ele não estava realmente lá e puxava uns papos desconexos. Ele havia mudado significativamente em todos os aspectos: estava gordo, careca, tinha as sobrancelhas raspadas e usava um sobretudo branco com sapatos brancos. Syd estava tão diferente que David Gilmour não o reconheceu inicialmente. Waters teria ficado profundamente chateado com essa experiência, que acabou redefinindo o conceito de “Wish You Were Here”

Vale lembrar que Roger começou a escrever essa música antes do encontro com Syd. Inicialmente ele dizia que foi baseada em um poema que ele escreveu sobre a esquizofrenia de Syd, ao lembrar que os amigos misturavam LSD no seu café e por isso acabaram o levando ao seu colapso mental. Depois, estranhamente, Roger Waters voltou atrás se contradizendo e justificando que a música falava dele mesmo e não de Syd. Waters, era um tanto controlador e, após o sucesso dessa canção, provavelmente percebeu que a obra enaltecia Syd Barret além do que ele pretendia. Ou será que após a visita de Syd ele percebeu que a letra era contraditória e ele na verdade não queria mais que o amigo estivesse ali?

Pink Floyd com Sid Barrett em 1967

David Gilmour e Roger Waters raramente trabalharam juntos em composições, mas “Wish You Were Here” foi uma das exceções e Waters reconheceu que a colaboração de Gilmour, tanto na letra quanto na música, foi muito boa.

Dave, por sua vez, jamais negou que “Wish You Were Here” fala de Syd Barret e, na sua opinião, essa é uma das melhores músicas do Pink Floyd. Concordo, mas minha conexão com esse disco acontece mesmo em “Shine On You Crazy Diamond”, cujo título faz trocadilho com as letras do nome de Syd, o maior chapadão de “diamond” de todos os tempos, e cara, pensa num som chapado…

Uma outra curiosidade sobre “Shine On You Crazy Diamond” é que a tal visita de Syd Barret ao estúdio teria acontecido no momento em que eles faziam a audição dessa música e até cogitaram uma participação. Mas esse papo fez Syd entender que o estavam convidando para voltar à banda e então desconversaram, pois não queriam de fato ter alguém mentalmente insano por perto. Essa foi a última vez que os integrantes do Pink Floyd viram Syd Barret.

“Wish You Were Here” foi lançado no dia 12 de setembro de 1975 e é o segundo álbum conceitual do Pink Floyd. Teve a maioria das composições e letras novamente assinadas por Roger Waters e recebeu críticas mistas. Como era previsto, os críticos acharam um álbum OK, mas aquém de “Dark Side”. Posteriormente “Wish You Were Here” foi aclamado pela crítica como um dos maiores álbuns de todos os tempos e foi citado pelo tecladista Richard Wright e pelo guitarrista David Gilmour como o álbum favorito do Pink Floyd.

Eu seria injusto se também não fizesse uma citação à capa de “Wish You Were Here”, pois lembro que no começo de toda essa minha adoração pela música, eu ia na loja de discos de vinil, na letra P, só para viajar nas capas do Pink Floyd. Se por acaso você não lembra, esse disco é aquele em que dois homens se cumprimentam, com um deles em chamas… Como assim, né? Sensacional!

O conceito é de Storm Thorgerson, um renomado designer gráfico que, além de ter criado o prisma de “Dark Side”, foi o cara que sugeriu o nome do disco “Wish You Where Here”. Sua agência, a Hipgnosis, bolou e produziu inúmeras capas de sucesso. Convenhamos: encontrar uma ideia de capa que combinasse com o som intelectualizado da banda deve ter sido bem difícil. Os caras mandaram tão bem que o Pink Floyd acabou usando todas as ideias apresentadas.

Para meditar sobre o significado das novas canções, Storm acompanhou a turnê de 1974 viajando com o Pink Floyd e descobriu que um dos temas tratava da “ausência”, um assunto que foi abordado em longas horas de conversa com a banda. O conceito por trás das primeiras músicas “Welcome to The Machine” e “Have a Cigar”, que criticava os barões da indústria fonográfica, sugeria um aperto de mão, um gesto muitas vezes vazio, ausente, algo meio que automático. Lembrando que essas duas músicas surgem antes da visita de Syd ao estúdio.

A foto da capa que se tornaria icônica foi feita por Aubrey Powell, parceiro de Thorgerson no Hipgnosis. Para explicar o conceito eles disseram que se inspiraram na ideia de que as pessoas tendem a esconder os seus verdadeiros sentimentos, com medo de “se queimar”. Assim, resolveram retratar dois empresários apertando as mãos, onde um deles está pegando fogo. Ou seja, um deles se deu mal assinando um contrato ruim. A fotografia foi tirada nos estúdios da Warner, em Los Angeles, pois precisaram de dublês e todos os aparatos de uma produção cinematográfica e os galpões do local, ao fundo, acabaram dando uma dimensão extra de falsidade para imagem.

A contracapa do álbum também é tão interessante quanto: mostra um “vendedor sem rosto”. Nas palavras de Thorgerson ele está “vendendo a sua alma no deserto”. A ausência de pulsos e tornozelos do vendedor simboliza a sua presença como um “traje vazio”.

Cara, é feito para você pegar o “vinilzão”, pôr no toca-discos e ficar viajando na capa enquanto houve… Infelizmente acho que perdemos isso hoje em dia!

Mas, chega aí. Onde você acha que o conceito de capa se encaixa na principal inspiração de “Wish You Where Here”? Syd Berreth seria o homem apertando a mão, ou o homem queimado? Eu tenho meu palpite, mas dessa vez vou deixar a reflexão por conta de vocês.

Britannia Row Studios

Ainda em 1975, o Pink Floyd resolveu fazer uma serie de aplicações financeiras para que seu dinheiro rendesse ainda mais. Entre os investimentos, decidiram ter o seu próprio estúdio de gravação e compraram um prédio de três andares que pertencia a uma igreja e ficava no número 35 da Britannia Row, em Islington. Além de estúdio, esse seria o local que acomodaria todos os equipamentos da banda, pois o Pink Floyd havia adquirido toneladas de equipamentos de ponta e queriam alugá-los para outras bandas. No terceiro andar seria o escritório onde os executivos trabalhavam. Em 1976, o Britannia Row Studios ficou pronto e recebeu a banda para a gravação do seu décimo álbum, “Animals”.

Capa de Animals

O recém-construído estúdio tinha capacidade para gravar 24 faixas simultâneas, uma realidade que poucos estúdios possuíam em 1976. O Pink Floyd sempre foi minucioso quanto à qualidade sonora de seus discos, e nesse estúdio havia um verdadeiro arsenal de equipamentos analógicos. O que hoje chamamos de equipamentos “vintage” e usamos de forma virtual, naquela época eram feitos sob encomenda para esses estúdios.

O conceito de “Animals” foi baseado na fábula política de George Orwell, Animal Farm”, que Roger Waters havia lido e o inspirou. Acho que foi a partir daí que ele começa a se politizar. Vale lembrar também que 1976 é o estouro do movimento Punk na Inglaterra. Em comum, esses punks odiavam bandas como o Pink Floyd que, convenhamos, eram uns caras musicalmente meio esnobes. Então, foram alvo de muitos ataques. Criticar a realeza e o Pink Floyd fazia parte do ritual anarquista. Esse contexto histórico veio a influenciar o som de “Animals”, pois a sonoridade ficou mais densa. David Gilmour distorceu sua guitarra como nunca se havia visto antes. Foi meio que uma resposta… “olha aqui seus moleques o que é som de atitude”…

As letras desse disco descrevem diferentes classes da sociedade como cães, porcos e ovelhas fazendo comparações provocativas e reflexivas. Sobre a capa de “Animals”, a Hipgnosis recebeu o crédito, mas não conseguiram executar a ideia original, que era fotografar o porco inflável na frente da antiga Battersea Power Station. Então, Roger Waters, escolheu uma foto da fábrica e a Hipgnosis apenas sobrepôs a imagem do porco artificialmente. Esse fato no futuro viria a ser o motivo do rompimento da Hipgnosis com o Pink Floyd… Sobre as faixas, um grande destaque na minha opinião é “Dogs”.

Novamente teve treta: a divisão dos royalties era motivo de conflitos constantes entre os membros da banda. Embora Gilmour tenha sido o grande responsável por “Dogs”, uma canção enorme que ocupou quase todo o primeiro lado do álbum, com 17 minutos de duração, não foi dividida como acontecia com as composições de Roger Waters. Para entender a divisão de royalties do Pink Floyd, precisamos entender que o tempo de duração da música não importava, apenas a quantidade de faixas é que entrava na contabilidade. Sabendo disso, Gilmour tentou dividir “Dogs” em duas ou três faixas, mas Waters vetou. O motivo da ira de Gilmour é que ele recebeu menos do que Waters, que dividiu uma música muito mais curta, “Pigs on the Wing”, em duas partes de 1 minuto e meio cada. Espertão esse Roger Waters, né?

Roger e Dave

Richard Wright comentou que Dave tinha algo valioso para oferecer, mas foi limado e só conseguiu colocar poucas coisas nesse disco. Nick Mason lembrou que Roger organizava as ideias e estava realmente boicotando Dave, frustrando-o deliberadamente.

Richard Wright

Gilmour, por sua vez, resolveu se afastar da banda para evitar mais conflitos. O nascimento de seu primeiro filho foi um bom motivo para isso. Da mesma forma, nem Mason nem Wright contribuíram muito para “Animals”; Wright em especial estava com problemas conjugais e sua amizade com Roger Waters ia de mal a pior. Membros da equipe lembram que as discussões entre os integrantes impressionavam pelo excesso de rancor que um sentia do outro.“Animals” foi o primeiro álbum do Pink Floyd sem créditos para Wright, que justificou dizendo:

Foi quando Roger realmente começou a acreditar que ele era o único compositor da banda … que era apenas por causa dele que [nós] ainda estávamos crescendo… foi quando ele começou a desenvolver suas viagens de ego, e quem o confrontou fui eu.

Como era de praxe, após o lançamento do disco, a banda partia em turnê. Existem algumas formas de vender uma turnê bem-sucedida: ou você agrega patrocinadores que irão expor suas marcas nesses shows, ou você vende cotas para investidores que vão financiar a turnê e ter lucros. Mas o Pink Floyd, com seu escritório repleto de analistas financeiros, resolveu que eles mesmos bancariam a turnê de “Animals”. Para ficar ainda mais arriscado, foi quando o Floyd começou a tocar em estádios levando consigo uma megaestrutura. Essa turnê ganhou o nome de “In The Flesh Tour”… Guarde esse nome porque ele é importante para a nossa historia.

In The Flesh Tour 1977

A megaprodução, além de inovadora e caríssima, era também muito desorganizada. Os primeiros problemas de se tocar em estádios surgiram daí. Entre eles, o desinteresse de parte do público, que ia a esses shows somente pelo rolê. Entenda que os shows do Floyd tinham, até então, uma aura teatral. As pessoas assistiam em silêncio e, muitas vezes, o próprio silêncio fazia parte do show e era respeitado pelo público. No estádio, o Pink Floyd passou a tocar para 80 mil pessoas. Muita gente que não era fã estava lá também e não respeitavam esses momentos. Pelo contrário, eles pediam músicas nas pausas e até soltavam rojões…. Vale lembrar também que o Pink Floyd era muito assediado por seus fãs, que às vezes queriam invadir o palco para abraçá-los e tal… Isso tudo causou um desconforto enorme nos integrantes, principalmente em Waters, que ficou meio paranoico e deixou de viajar com a banda, chegando aos locais sozinho e partindo imediatamente após cada apresentação, para tentar evitar o contato com o público.

Roger nos bastidores do show de Montreal em 1977

No Estádio Olímpico de Montreal, no Canadá, onde o Pink Floyd tocou para 67 mil pessoas, um grupo de fãs barulhentos e entusiasmados que estava na primeira fila irritou tanto Waters que ele cuspiu neles. Descontente com a performance da banda, David Gilmour abandonou o palco antes do Bis e Roger surtou… Esse foi o último show da turnê “In The Flesh”. Depois disso o Pink Floyd nunca mais tocou as músicas do “Animals” em seus shows.

Após a cusparada, naquela noite, Waters teve uma longa conversa com o produtor Bob Ezrin e o seu amigo psiquiatra, onde falaram sobre a alienação e o desespero que ele estava experimentando nesses shows, chegando até a relatar o seu desejo de construir um muro no palco entre a banda – e o público, sacou? Um muro!

Enfim, chegamos ao ano pelo qual tenho tanto apreço, 1978, ano em que eu nasci e em que o Pink Floyd começa a trabalhar no que muitos consideram ser a sua melhor obra conceitual… “The Wall”!

Lembra que eu falei que o nome da turnê era importante? Pois é, o nome da música que abriu o próximo álbum do Pink Floyd. Não por acaso tem o mesmo nome da turnê, “In The Flesh”“The Wall” começou a ser produzido em dezembro de 1978 e só foi lançado em novembro de 1979, quase um ano depois. Mas de qual fase do Pink Floyd estamos falando? – Na minha opinião, uma das piores em questão de relacionamento, porém, uma das melhores em questões artísticas…

 

O fim conturbado da última turnê havia marcado um ponto baixo para a banda, que contabilizou prejuízo milionário devido a uma série de fatores, entre eles os investimentos e as transações escolhidos pelos agentes financeiros da banda que, na tentativa de fugir dos altos impostos, haviam feito aplicações de alto risco resultando em grandes prejuízos. Além disso, a turnê havia fechado no vermelho e o sindicato dos profissionais de shows e eventos de Londres não entrou em acordo com a banda. Daí, além dos altos custos da turnê, além dos impostos atrasados, tiveram que pagar também indenizações. Reza a lenda que o prejuízo do Pink Floyd foi de 16 milhões de libras.

David Gilmour teve que se envolver nas finanças, porque não tinha mais ninguém de confiança para estar a par daquilo. Nos bastidores, havia rumores de que o Pink Floyd estava falido. Enquanto isso, Roger Waters se isolava com síndrome de perseguição e Gilmour passou a nutrir enorme desinteresse pelo Pink Floyd, tratando tudo aquilo como se fosse um emprego chato. Então, ele resolve largar tudo e parte para a França onde começa a gravar o seu primeiro disco solo, que é bem legal, diga-se de passagem!

Não foi só Gilmour que se dedicou ao trabalho solo. Richard Wright também gravou seu primeiro disco solo em 78. Mas, diferente de Gilmour, o disco de Wright não emplacou. Nick Mason aproveitou a debandada e ocupou-se produzindo o novo álbum do guitarrista Steve Hillage. Waters, por sua vez, começou a escrever sobre seus traumas da última turnê, e o incidente da cusparada tornou-se o ponto de partida para o novo conceito, que simbolizava o reencontro com eventos traumáticos que marcaram a sua infância, como a perda de seu pai.

Eu às vezes fico em dúvida se Roger Waters era o cara cuzão da banda, como muitos dizem, ou se ele era um gênio não compreendido pelos demais integrantes. É fato que os seus discos conceituais são os melhores do Pink Floyd. Mas, aí que tá… Eles só funcionavam como Pink Floyd. A magia só acontecia com aquele conjunto de pessoas e era isso que Roger tinha dificuldade de reconhecer.

Em julho de 1978, o Pink Floyd se reuniu no Britannia Row Studios e Waters apresentou duas novas ideias conceituais para o álbum. Uma delas viria a se tornar o seu primeiro disco solo e falava sobre os sonhos de um homem durante uma noite. Tratava de casamento, sexo e os prós e contras da monogamia, da vida familiar versus a promiscuidade. A banda não curtiu muito esse tema e acabou escolhendo a segunda opção: “The Wall”!

Roger explicou que, após um show frustrado, em colapso mental, ele mergulhou num processo de regressão e lembrou que seu pai fora morto por um ditador tirano na guerra. Esse era o primeiro tijolo. Logo ele se lembra de sua infância marcada por muitos outros traumas. Cada um desses traumas se tornava mais um tijolo, que aumentava a parede criada em sua mente com o intuito de protegê-lo. Quando a parede fica completa, ele percebe que se transformou no ditador tirano que havia matado seu pai e passa a viver as consequências disso.

Cara, é sensacional, e a ideia inicial da maioria das músicas já estava lá, em uma fita que Roger gravou no período em que se isolou de todos. Claro, porque Roger Waters não fugia de seus demônios, ele os enfrentava e os transformava em música.

Família Waters, detalhe para Roger recém nascido

George Roger Waters nasceu no dia 06 de setembro de 1943, no olho da segundo guerra mundial. Seu pai, Eric Fletcher Waters, foi um oficial britânico do 8º Batalhão dos Fuzileiros Reais, que acabou morto durante uma batalha contra os nazistas no dia 18 de fevereiro de 1944. Roger tinha apenas cinco meses de idade.

Mesmo desconhecendo os detalhes da morte de seu pai, esse fato o influenciou diretamente. Sem falar nos problemas psicológicos que a última turnê havia lhe causado, obrigando Roger a resgatar o fantasma de Syd Barett mais uma vez, o qual inspirou Pink, o personagem surtado de “The Wall”.

“The Wall” foi concebido para ser um álbum duplo de 26 músicas. Cara, eles teriam muito trabalho pela frente para manter o padrão das produções anteriores. E estamos falando de um Pink Floyd cujo relacionamento entre os integrantes estava totalmente desgastado. As brigas entre Waters, Gilmour e Wright chegaram ao ápice quando eles passaram a precisar de um intermediador para que se comunicassem.

Waters decidiu trazer apoio e contratou o produtor Bob Ezrin que tinha trabalhado com Alice Cooper, Lou Reed, Kiss e Peter Gabriel. Mas Bob era um cara indisciplinado e desde o início as tretas já rolaram, principalmente porque Bob queria mexer no conceito de Waters. Ele até permitiu, mas deixou claro quem estava no comando, dizendo a ele: “Você pode escrever o que quiser. Só não espere nenhum crédito por isso.”

Bob Ezrin

Ezrin e Gilmour revisaram a demo de Waters, descartando o que achavam que não era bom o suficiente. Waters e Ezrin trabalharam juntos na história melhorando o conceito, até que conseguiram apresentar um roteiro de 40 páginas para o resto da banda. Eles fizeram uma leitura de mesa, como se faz com uma peça de teatro, e os olhos dos integrantes brilharam, porque finalmente eles podiam ver o álbum com começo, meio e fim.

Ezrin ampliou o enredo, distanciando-o do trabalho autobiográfico que Waters havia escrito e apresentou um personagem fictício, um astro do rock chamado Pink. Para as gravações, o engenheiro Nick Griffiths foi contratado e disse mais tarde que Bob Ezrin foi muito importante em The Wall”, porque ele conseguiu juntar a coisa toda e apaziguar o clima. Sempre que Roger e Dave entravam em conflito, ele politicamente ajudava a resolver esses impasses. Waters amoleceu e acabou permitindo que Bob Ezrin também assinasse como compositor em “The Wall”, mas, como sempre, quem assinou a maior parte do álbum foi Waters com Gilmour coescrevendo “Run Like Hell” , “Young Lust” e a sensacional “Comfortably Numb”.

Se você me falar que essa é a melhor música do Pink Floyd, dependendo do dia, eu acho que posso até concordar. Uma música toda concebida por David Gilmour para seu disco solo, mas assim que resolve apresentá-la ao Pink Floyd, Roger Waters a traz para banda. E, mesmo que ela já tivesse letra, Waters a reescreveu para encaixar no conceito de “The Wall”, fato que deixou Gilmour bem puto mais uma vez. Tanto que essa foi a última vez que Waters e Gilmour trabalharam juntos em uma composição.

Não sei se Gilmour se arrepende de ter deixado essa música ser lançada pelo Pink Floyd. Mas, aí que tá: será que “Confortably Numb” teria o mesmo impacto em um disco solo do Gilmour? Nunca saberemos e nem dá pra imaginar que por trás dessas músicas havia esse clima ruim de disputas artísticas e royalties. A gravadora Columbia Records, ciente de todas as tretas, começou a prever que a banda poderia se desfazer antes de finalizarem o disco. Isso seria um prejuízo gigantesco, principalmente em horas de estúdio. Vale lembrar que, devido à crise, o Pink Floyd vendeu o Brittania Row Studios e as gravações do “The Wall” ocorreram em vários estúdios diferentes, em Londres, na França e nos EUA. Enfim, a gravadora estava bem preocupada e estrategicamente, fizeram uma proposta pra Roger Waters. “Seguinte: Você me entrega esse disco a tempo de ele estar nas lojas até dezembro de 1979 e nós aumentamos os royalties da banda em tantos por cento.”

Os caras passavam por uma baita crise financeira e cresceram os olhos, mas precisavam correr com as gravações. Richard Wright, desgostoso com as tretas, havia tirado férias no meio da gravação e viajado com sua família. Roger ligou pra ele, explicou a proposta da gravadora e pediu que Wright interrompesse suas férias para acabar de gravar suas partes.

Roger, Dave e Nick

Para surpresa geral, Rick Wright disse não, justificando que seu primeiro casamento havia se deteriorado porque ele não tinha ficado com seus filhos o suficiente e, para ele, a família era mais importante do que a banda. Roger Waters ficou possesso, mas Richard não mudou de ideia e só foi aparecer no estúdio quando suas férias definitivamente acabaram.

Tanto eu quanto Dave… não queríamos mais trabalhar naquelas ideias, por preguiça ou qualquer outra coisa

admitiu Richard Wright, que também reconheceu que nessa fase estava deprimido e não sabia. Quando chegou ao estúdio, Roger Waters o demitiu na frente de toda equipe. No lugar de Wright ele já havia escalado Bob Ezrin, que estava gravando os teclados com a ajuda de David Gilmour. Após o comunicado de Waters, Richard disse “Ok!”, e concordou em sair da banda sem questionar uma vírgula daquela decisão arbitraria.

Nos meses que se passaram, Wright periodicamente entrava no estúdio tarde da noite, quando os outros membros da banda não estavam, só para conferir o progresso de “The Wall”. Waters cogitou processar Wright, mas acabou voltando atrás e, no futuro, ofereceu-lhe um contrato para ser músico de apoio do Pink Floyd. Como a banda estava com problemas financeiros, Wright achou melhor do que ser membro e ter que encarar as dívidas. Lá na frente isso se mostrou um bom negócio para ele. Em contrapartida, não assinou nenhuma música no aclamado “The Wall”.

“Mother” é uma canção que marcou muito também. Você sabia que Nick Mason não tocou a bateria? Esse disco é repleto de situações atípicas. Mason achou que os compassos 5/8 e 9/8 da música eram muito difíceis de aprender devido ao prazo curto. Pediu que o baterista de estúdio Jeff Porcaro gravasse pra ele… A personagem mãe é bem marcante na trama: solteira, superprotetora, que perdeu o marido na Segunda Guerra Mundial… A música narra uma conversa do filho e sua mãe, onde entendemos que a superproteção da mãe está ajudando a construir o muro com a desculpa de tentar proteger o filho. Nessa música, David Gilmour se garante como um dos maiores guitarristas do mundo, ao usar poucas notas pra imprimir muito sentimento em um dos mais belos solos do rock!

“The Wall” é uma opera rock conceitual, uma obra artística das mais notáveis feita para ser apreciada no todo, ou seja, ouvindo na sequência suas 26 músicas que somam 80 minutos de duração. É um sacrilégio desmembrar músicas para analisar, mas essa é a missão do Clube. Então, a partir de agora, decreto o muro finalizado, para podemos derrubá-lo, analisando “Another Brick in The Wall”.

“Another Brick in The Wall” é o muro que derrubou muros…

O acordo com a Columbia Records rezava que o disco deveria chegar às lojas antes de dezembro. Após uma produção repleta de problemas e desprazeres, nos momentos finais de novembro de 1979, mais especificamente no dia 30, o Pink Floyd lançou o seu décimo primeiro álbum de estúdio, o LP duplo “The Wall”.

O gatilho para Roger Waters criar o conceito de sucesso que encontramos no disco foi a pressão que sofreu dos fãs do Pink Floyd, algo que beirava a idolatria e o fazia se sentir como alguém que poderia influenciar um enorme grupo de pessoas a fazer tanto o bem, quanto o mal. Claro, que quando falamos de ditadores, o bem e o mal são subjetivos. Mas, como líder da maior banda dos anos 70, ele precisou tomar decisões que o marcaram como sendo um cara arrogante, ganancioso e controlador.

Waters teria se transformado em um “ditador” ao golpear a democracia floydiana? Essa ficha começou a cair quando os demais integrantes o deixaram só, em especial, seu melhor amigo, o baterista Nick Mason. Ao isolar-se, Roger Waters pensava que estava se protegendo. Mas, o processo pessoal de criar um muro entre ele e as pessoas que o feriam já havia começado desde sua infância e cada novo trauma se transformava em mais um tijolo.

A cusparada que Roger deu no fã que lhe atormentava durante o último show da turnê “In The Flesh” o fez ter ciência da existência desse muro. É o momento do choque de realidade. Qualquer pessoa teria se trancado no quarto com um terapeuta, mas Roger confrontou seus fantasmas concebendo “Another Brick in The Wall”, uma das obras musicais mais incríveis já escritas, que foi dividida em 3 partes.

Na “Parte 1” o protagonista, Pink, começa a construir um muro metafórico em torno de si mesmo após a morte de seu pai. Aquilo simboliza o primeiro tijolo. Na “Parte 2”, traumas envolvendo sua mãe superprotetora e professores abusivos simbolizam mais tijolos no muro. E, na “Parte 3”, Pink conclui o muro que o separa de tudo que ele amava.

No “Animals”, disco anterior ao “The Wall”, Roger se arriscou na politização, após ler “A Revolução dos Bichos” de George Orwell, que trata metaforicamente da corrupção e controle das massas, usando animais para retratar as fraquezas humanas e, assim, demolir o “paraíso comunista” proposto pela União Soviética na época de Stalin. Em “The Wall”, Roger está se vendo como um influente político que também pode controlar as massas. Mas ele teme essa influência, pois sabe que é tentadora e, principalmente, sabe que esse controle causou a morte de seu pai.

Antes de falar sobre a música em si, tem um outro fato a ser contemplado que teve muita influência no Pink Floyd. Estou falando do Muro de Berlim, oficialmente chamado na Alemanha de Muro de Proteção Antifascista.

Muro de Berlin

O Muro de Berlim começou a ser construído por apoiadores do regime soviético em 1961, uma obra colossal com 66 quilômetros de comprimento e quase 5 metros de altura simbolizando a divisão do mundo em duas partes: de um lado os capitalistas apoiadores dos Estados Unidos e, do outro, os socialistas sob o regime soviético. Hoje isso pode parecer inconcebível, mas nem faz tanto tempo assim que o muro foi derrubado. Eu assisti ao vivo pela TV, no final dos anos 80. “The Wall” foi lançado 10 anos antes, em 1979, já com a mensagem oculta de: “Derrube os muros que nos separam, aprenda a respeitar e conviver com as situações adversas”. E influenciou politicamente na Alemanha. Ou seja, “The Wall” foi o muro que derrubou muros.

Queda do Muro em novembro de 1989

Em “Another Brick” parte 1, Roger, interpretado por Pink, questiona seu pai: “Você voou para o Oceano para lutar por um ideal e deixou apenas uma foto no álbum da família. E grita: ‘pai o que mais você deixou pra trás para mim?’” Roger consegue transmitir toda sua angústia, principalmente quando ele mesmo responde:

Você deixou, pai, apenas mais um tijolo no muro…

Tudo isso sob uma atmosfera sonora paranoica criada por David Gilmour em sua Fender Stratocaster ligada em um delay perturbador, mas que se tornou referência para muitas bandas a partir disso. A pedaleira de efeitos que David usou em “The Wall” foi originalmente construída para as sessões de gravação do “Animals” em 1976, época em que Gilmour queria soar mais “punk”. Aos guitarristas de plantão, aviso que um dos grandes segredos do som de guitarra em “The Wall” é o uso de dois pedais chorus Boss CE2 ligados no fim da grade e usados para dividir o sinal, criando um efeito estéreo.

Desde “Wish you were here”, o Pink Floyd havia decidido que não lançaria mais singles. Eles achavam uma tática de vendas enganosa e conflitava com o ideal de obra deles, que vendia a ideia de que as músicas deveriam ser ouvidas em sequência para, assim, acontecer a imersão sonora. Porém, “The Wall” quebra essa regra e a parte 2 foi lançada como single. Como ela começava repentinamente, adicionaram dois compassos de introdução e, na versão single, ela acaba no meio do solo, limitada pela capacidade do disquinho de vinil. Na época, esse single vendeu dois milhões de cópias. Foi um sucesso absoluto. Mas, logo que o disco saiu, os DJs das rádios abandonaram a versão single, que cortava o solo de Gilmour, e passaram a usar a versão do álbum, iniciando a música em “The Happiest Days of your life”… a faixa que antecede a parte 2.

Roger, revela toda sua raiva em relação à metodologia de ensino britânica, cujos professores, na época do pós-guerra, eram instruídos a educar as crianças para que fossem fortes e sobrevivessem aos horrores da guerra. Apesar de a guerra ter acabado, ainda imperava um medo incompreensível por parte dos educadores, que beirava o autoritarismo. E é isso que Waters denuncia em “The Happiet Day of Your Live”.

Quando crescíamos e íamos à escola

Havia certos professores que gostavam de

Machucar as crianças de qualquer forma que conseguissem

expondo todas as suas fraquezas

Mesmo que cuidadosamente escondida pelas crianças.

Roger se vingou ao acusar esses professores de submissos em suas casas, sugerindo que à noite suas esposas gordas e psicopatas também os castigavam quase até a morte.

Então, temos a frase anarquista que definia a obra:

“Não precisamos de nenhuma educação, não precisamos de controle mental, chega de humor negro na sala de aula… Professores, deixem as crianças em paz…”

Aquilo era rebeldia pura e combinava com o momento histórico que a Inglaterra vivia quando já se previa a inevitável Guerra das Malvinas. Como assim? O Pink Floyd, a banda mais odiada do movimento punk britânico, havia lançado o maior protesto anarquista de todos os tempos?!

Inicialmente, quando apresentado por Roger Waters, “Another Brick in The Wall” era para ser executada no violão com apenas um compasso e totalmente diferente do formato que conhecemos. Para o deleite dos fãs, em 2012, o Pink Floyd liberou as demos de “The Wall” e hoje podemos analisar o seu progresso em estúdio.

Totalmente diferente do que conhecemos, não? Para chegar ao formato de sucesso que vendeu 4 milhões de singles e depois 30 milhões de álbuns, o Pink Floyd precisou ser desconstruído. Literalmente, precisou ter o seu muro derrubado para que um novo arranjo surgisse e o cara responsável por isso é Bob Ezrin. Roger Waters foi maquiavélico ao não dividir os créditos da parte dois de “The Wall com Bob Ezrin. Apenas ele e Gilmour assinam faixa, mesmo sendo Bob o responsável por toda essa reformulação da canção…

Pense, o que o Pink Floyd tem a ver com o movimento da disco music dos anos 70? Nada, né? Obviamente! E se eu te disser que a banda Chic foi a influência para “The Wall”? Pois é. E foi ideia de Bob Ezrin, que era fã do Chic. Quem confessou isso foi David Gilmour, explicando que Bob perguntou para ele o que ele conhecia sobre disco music. Dave confessou com ar de desprezo que nunca tinha ouvido nada. Mas Bob, que era um tanto provocador e por vezes havia exaltado a arrogância do Pink Floyd, o desafiou a ir a uma discoteca conhecer disco music. Em entrevistas, Gilmour confessou que realmente foi a algumas danceterias, mas detestou a construção das músicas. Porém, não podemos dizer que não deu certo, pois Gilmour concordou em trabalhar uma levada mais dançante. E é incrível, porque não ficou nem um pouco parecida com disco music; ficou “The Wall”!

Roger Waters era cético em relação às ideias de Bob. Ele não o impediu, mas também não o incentivou, apenas disse, “vá em frente e perca seu tempo”.

Após a inserção da batida dançante, Bob percebeu que, para funcionar, a parte A precisava ser repetida, mas teve um trabalhão para convencer Waters a cantar duas vezes a mesma letra, algo que para ele representava falta de inspiração.

Nick Griffiths

Então, Bob lembrou que 7 anos antes, quando produziu Alice Cooper, ele havia inserido um coral de crianças em uma música chamada “Schools Out”, então pediu ao engenheiro de som Nick Griffiths que gravasse um coral de crianças. Nick perguntou “Onde vou encontrar crianças cantoras?” E Bob o aconselhou chamar duas ou três crianças, que já resolvia!

Nick teve uma ideia. Ele caminhou até o colégio que ficava ao lado do estúdio e procurou o professor de canto. Explicou a missão que recebera e o professor concordou em levar o coral dos alunos até o estúdio, mas eles tinham apenas 40 minutos para gravar, período determinado por lei que limitava o tempo que os alunos podiam ficar fora da escola na Inglaterra. Já ensaiados, os 23 alunos da Islington Green School foram ao estúdio e gravaram a segunda parte de “Another Brik in The Wall”, que foi posteriormente duplicado várias vezes para parecer ter mais crianças do que realmente tinha e “voi-lá”… Ficou sensacional,

De acordo com Ezrin, quando ele tocou os vocais das crianças para Waters, “houve um amolecimento total de seu rosto”. Foi quando ele percebeu que aquele seria um disco importante”. Com toda sua frieza típica, Waters disse a Bob:

Ficou ótimo – exatamente o que eu esperava de um colaborador.

Após o lançamento de The Wall, em uma entrevista, Waters confessou que quando ouviu o coro das crianças, se arrepiou inteiro e esse teria sido também o motivo para que quebrasse a regra, permitindo que “Another Brick in The Wall”, part 2, fosse lançado como single.

O curioso disso tudo, é que a diretoria da escola não sabia que as crianças estavam indo gravar a mensagem “Não precisamos de educação, professores nos deixem em paz”. Quando o single foi lançado, rolou uma tensão, visto também que os alunos não receberam nada pela colaboração. Então, como forma de amenizar o susto, o Pink Floyd fez um pagamento de £1.000, para escola usar como quisesse e deram uma cópia do álbum e do single para os alunos do coral. Posteriormente, já adultos, os integrantes do coral processaram o Pink Floyd pedindo royalties de participação e venceram a causa.

É impossível pensar em “Another Brick in The Wall” part 2 sem falar sobre o solo que David Gilmour compôs e executou de uma forma tão expressiva que parece ter as palavras que faltam na conclusão da letra… Como eu já disse, Bob Ezrin é o cara por traz de toda essa transformação. Ele esperou a banda sair do estúdio e reorganizou a composição de Waters, deixando-a irreconhecível para a banda. Gilmour não gostava muito das ideias de Bob, mas entrou na onda e fez a levada disco. Porém, ele achava que faltava um solo de guitarra…. fácil, quando você é o David Gilmour, não?

Muitos consideram esse o melhor solo de Gilmour, mas há controvérsias entre os fãs de Pink Floyd. Porém, todos concordam que esse é o solo mais famoso. Quando um aspirante à guitarrista começa aprender o instrumento, “Another Brick” é uma ótima aula, tanto rítmica quando de expressões e bends no solo. Muitos pensam que Gilmour usou sua Stratocaster, mas se enganam. Em 1978, na versão de estúdio, ele gravou o solo usando uma Gibson Les Paul com captadores P-90.

O solo marca o fim da parte 2 de “Another Brick in The Wall”. Podemos ouvir as broncas do professor sádico e o som do telefone ocupado, avisando que a viajem sonora continua… A parte 3 está no lado B do primeiro disco e é a penúltima música. Simboliza o momento do surto de Pink. Começa com o som de objetos sendo quebrados e, na letra, ele agora afirma “Não preciso de mais nada, nem de drogas para lhe acalmar, pois está convencido das escrituras que ele viu no muro.”

A parte 3 precede “Goodbye Cruel World”, que nitidamente é uma carta suicida e encerra o disco 1…

Mas não pense que essa história acaba aqui, caro ouvinte, porque “The Wall” é um álbum duplo e sugiro que experimente essa experiência. Se por acaso já ouviu na íntegra, repita… Pink Floyd, né, amigos? Os caras eram geniais. E, olha, até hoje o conceito de “The Wall” é atual. Cuidado para não encontrar seus próprios tijolos perdidos nessa experiência.

A título de curiosidade, saiba que a capa desse álbum, que é bem simples, com os tijolos simbolizando um muro, não foi feita pela Hipgnosis e, sim, pelo Pink Floyd. O rompimento ocorreu porque a agência havia publicado um livro de luxo com todas as capas que produziram e as histórias por trás delas. Lá também estava a capa de “Animals”, aquela que a Hipgnosis não conseguiu entregar e teve que ser improvisada por Waters. Ele, que estava estressadão, ficou puto e rompeu com a produtora.

“The Wall” era para ter sido o disco mais vendido do Pink Floyd, superando “Dark Side of The Moon”. Segundo os dirigentes da Columbia, isso só não aconteceu porque o formato disco duplo encareceu o produto. Detalhe, a gravadora não sabia que eles estavam produzindo um disco duplo e, quando descobriram, quase que “The Wall” não foi lançado. Vocês lembram que a gravadora fez uma oferta de aumentar os royalties da banda em troca de eles acelerarem a finalização do disco, né? Pois é, Roger Waters até demitiu Richard Wright por isso. Mas, ao fim da tortuosa produção de “The Wall”, a Columbia, não quis pagar o combinado, alegando que os custos de produção de um disco duplo haviam inviabilizado o acordo.

Roger Waters ficou possesso, ameaçou levar “The Wall” para outra gravadora, mas a Columbia, dona do material, disse que iria processá-los. Por muito pouco, “The Wall” não foi engavetado. Por fim, entraram em acordo e “The Wall” se tornou o segundo álbum mais vendido do Pink Floyd, com 30 milhões de cópias produzidas.

Em 2021, Roger Waters, recusou uma oferta milionária do Facebook pelo direito de usar “Another Brick in the Wall (parte II)” em uma campanha publicitária. O Roger Waters como o conhecemos atualmente tornou-se um militante de causas políticas. Inclusive, influenciou as eleições de 2018 aqui no Brasil quando protestou, acrescentando Jair Bolsonaro à sua lista de fascistas. Waters também foi um grande defensor de Julian Assange, o chefe do Wikileaks, que foi preso em 2019 por espionagem. O ex-líder do Pink Floyd via essa prisão como uma tentativa de silenciar o verdadeiro jornalismo e reprimir vozes dissidentes. Roger vê o Facebook e outras redes sociais como parte de um esquema que tenta silenciar o debate e não permitiu, em hipótese alguma, que usassem sua obra… Roger mandou o Facebook se foder e em uma coletiva chamou Mark Zuckerberg, de “um dos idiotas mais poderosos do mundo”. E, como sabemos, “Another Brick The Wall” é uma das músicas mais “versionadas” do mundo. Vamos indicar essa versão do Korn para abrilhantar a nossa playlist…

Então, é isso. Mas, ó, não acaba aqui não. “The Wall”, como muitos sabem, tornou-se filme e a produção foi tão problemática quanto o álbum. A banda saiu em turnê novamente, com uma estrutura ainda maior que antes e, novamente, tomaram prejuízo… O próximo álbum do Pink Floyd foi “The Final Cut”, de 1983. Roger produziu sozinho, usando sobras de “The Wall” e não teve a participação dos demais integrantes. Após isso, Roger decretou o fim do Pink Floyd. Mas, como sabemos, esse não é o fim, e sim o começo da era David Gilmour. Uma boa história para um próximo episódio….

Foi um prazer falar de música com você e até a próxima!

Gilson de Lazari

Se você gostou do Clube da Música Autoral, seja um sócio. Acesse: clubedamusicaautoral.com.br/assine e confira as vantagens que você recebe em troca do seu apoio.

Se você quiser, também pode nos ajudar fazendo um PIX. Utilize nosso email como chave: clubedamusicaautoral@gmail.com Qualquer valor é bem-vindo.

Roteiro e locução: Gilson de Lazari

Revisão: Camilla Spinola e Gus Ferroni

Arte da vitrine: Patrick Lima

Edição de áudio: Rogério Silva

 

Assine

Apple Podcasts
Google Podcasts
Spotify
Deezer
Amazon Music
Castbox
Podcast Addict
Pocket Casts
RSS
Ver Mais Opções

 

Fale Conosco

Facebook
Twitter
Instagram
WhatsApp
Telegram

Se preferir, escreva um comentário, ou envie um email para: clubedamusicaautoral@gmail.com

 

Playlists

Quer ouvir as músicas que tocaram neste episódio?

Confira a playlist no Spotify, no Deezer, ou no YouTube.

1 Reply to “EP 51 – Pink Floyd, Another Brick In The Wall”

  1. Sensacional o episódio – um dos melhores do clube. Roger (o enrustido ditador) como todos hipocritas ditadores atribui aos outros a culpa de seu autoritarismo e a paixão pelo poder, se fingindo de “bonzinho” e contra tudo que está aí. Sorte nossa que o destino reservou sua genialidade para a música e a arte – se o cara fosse para política daria orgulho aos Stalns e Fideis no inferno.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *