Nesse episódio, vamos trazer as curiosidades por trás de “Bichos Escrotos”, faixa encontrada em um dos álbuns mais transgressores do Brock dos anos 80… “Cabeça Dinossauro”. Com participação especial de Sérgio Britto, um dos compositores dessa canção icônica.
Formato: MP3/ZIP
Tamanho: 58,2 MB
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Roteiro e locução: Gilson de Lazari
Revisão: Camilla Spinola e Gus Ferroni
Transcrição: Camilla Spinola
Arte da vitrine: Patrick Lima
Edição de áudio: Rogério Silva
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Os Titãs são uma daquelas bandas que tem o gatilho, sabe? Gatilho é quando a música de um determinado artista te desperta sensações. Eu por exemplo, ouvi tanto Titãs que só os primeiros acordes de algumas músicas me trazem um turbilhão de lembranças de uma época que não volta mais. Debruçado sobre a imensa discografia dos paulistanos, eu tinha uma missão difícil: escolher uma música que justificasse a primeira aparição dos Titãs aqui no Clube. Juro que tentei falar sobre Epitáfio. É a canção mais ouvida dos Titãs nas plataformas digitais e, provavelmente, teria um grande apelo. Mas, e aí? De qual Titãs eu estaria falando? Dos responsáveis e experientes pais de família que se tornaram após muita “porrada”? E as “porradas” que levaram numa época em que não lhes restava quase nada?
Foi uma decisão difícil, mas “Cabeça Dinossauro”, de 1986, é o melhor disco do B Rock, e quem discordar provavelmente estará errado!
Brincadeira… Radicalismo não combina com o Clube, né? De qualquer forma, acho que dificilmente mudarei de ideia… Eu explico isso em duas palavras: “atitude transgressora”. O que aconteceu antes do “Cabeça Dinossauro” foi tão importante quanto as músicas que foram comercializadas pela Warner. “Bichos Escrotos”, “Igreja”, “Porrada” e “Polícia” são canções que marcam a compreensão dos Titãs de que era preciso chutar a porta e mandar alguém se foder.. literalmente… E foi o que eles fizeram. Então, atitude transgressora é o que vai ter nesse episódio. Começando por inverter a ordem dos fatos. Cocão, solte a vinheta da porta porque a partir de agora falaremos de “Bichos Escrotos”.
Não se sabe ao certo o ano: 81, 82 ou 83. O que se sabe é que “Bichos Escrotos” foi uma das primeiras músicas escritas pelos Titãs, que tinham 9 integrantes. Imagina! Segundo Sergio Britto, que é um dos compositores ao lado de Arnaldo Antunes e Nando Reis, eles estavam gravando uma demo no estúdio da banda “Placa Luminosa”, que ficava na avenida Rebouças em São Paulo e, boêmios como a maioria dos jovens artistas daquele período, foram encher a cara, enquanto o restante da banda gravava as partes instrumentais. Com exclusividade para o Clube, o próprio Sérgio Britto contou sobre esse dia.
A letra, aborda uma lista de bichos peçonhentos: ratos, baratas, pulgas… anunciando que, a partir de agora, apenas bichos escrotos é o que vai ter. É notório: eles queriam quebrar os padrões de beleza estético e artístico. Vale lembrar que as músicas transgressoras antes do rock dos anos 80 eram músicas de caráter intelectual, como as que Chico Buarque, Elis Regina e Geraldo Vandré cantavam. Em suas letras, de forma subliminar, criticavam o regime político autoritário dos militares, que censuravam essas canções quando conseguiam entendê-las.
Em comum, eram músicas arranjadas no violão, evoluídas da Bossa Nova, ou seja, havia um grito de raiva e rebeldia preso nessa geração à qual os Titãs pertenciam. Eles até a tocavam nos shows, mas não queriam gravá-la… Isso só foi acontecer cinco anos depois, em 1986, quando se rebelaram contra o padrão que lhes era imposto.
Nando Reis, no seu canal do YouTube, lembrou que eles tinham certeza de que “Bichos Escrotos” seria censurada, citando como exemplo os discos mutilados da Blitz, e por isso nem tentaram gravar.
Pela ótica de quem hoje vive em um país livre, podemos analisar que, no começo, os Titãs também eram um pouco “zebrinha listrada”, “coelhinho peludo”… O que eu quero dizer é que a música dos Titãs nos dois primeiros discos era um tanto “fofinha”. “Sonífera ilha, sossega meus olhos, me enche de luz…”. Poxa, Roberto Carlos poderia gravá-la de boa, e isso não era nem um pouco transgressor. Mas, em 1986, no Cabeça Dinossauro, onde apareceu “Bichos Escrotos” pela primeira vez, no lado B, na penúltima faixa eles soltam um libertador “Vai Se Foder”, numa das mais afrontosas atitudes rocker da época. Não se esqueçam: 1986 é o fim da ditadura, ok? Porém, a nova constituição ainda estava sendo discutida de forma sombria. Uma conduta como essa seria aceita?
Precisamos sempre tentar nos colocar dentro do contexto histórico antes de analisar atitudes de uma época que não vivemos. Eu mesmo tinha 8 anos em 1986. Imagina o que um “Se Foder” gritado a plenos pulmões e registrado em um disco de vinil não poderia causar! Era uma incógnita e provavelmente havia uma apreensão da banda e, principalmente, da gravadora.
Por isso, eu sempre digo: nessa indústria da música não basta ter talento; é preciso ter sorte e o “Vai Se Foder” era exatamente o que os jovens brasileiros daquela geração queriam ouvir. Mas, os Titãs, como eu já disse, demoraram 5 anos para reunir motivos suficientes para registrar essa canção em um disco. Eles previam situações nem um pouco agradáveis e até simulavam isso… Deixa o Nando explicar:
Apesar de ainda não estar gravada, “Bichos Escrotos” era um hit nos shows dos Titãs. Isso se confirmou com a visita do Arnaldo Baptista, dos Mutantes, no camarim do Centro Cultural São Paulo, após uma apresentação titânica. As palavras proferidas pelo ex-mutante foram: “Adorei “Bichos Escrotos”!”
A primeira vez que os Titãs registraram essa canção foi em São Paulo, poucos meses antes da gravação oficial, quando já haviam definido o repertório do próximo disco. Sergio Britto me falou em off que só conseguiram chegar a esse resultado “funkiado” depois de uma fracassada tentativa de soar como os Talking Heads em “Take Me To The River”. Segundo Britto, “Bichos Escrotos” teve várias versões, ouça a demo que foi gravada pouco antes da gravação do disco.
Na época em que foi lançada, 1986, “Bichos Escrotos” não foi censurada. Porém, havia uma recomendação do governo: as rádios que ousassem tocá-la seriam multadas. Vai vendo como a censura se mantinha viva nas entrelinhas mesmo após o fim da ditadura.
Eu, como baixista, não posso deixar de destacar a linha de baixo que o Nando criou para essa música e que, com certeza, define o arranjo vibrante e dançante, levando o punk de protesto para algo mais “funkiado”. Nando fala que foi na gravação da demo que ele criou a marcante linha de baixo de “Bichos Escrotos”, que depois seria lapidada por Liminha.
Quando o “Cabeça Dinossauro” foi lançado, o guitarrista Tony Bellotto apostou uma garrafa de whisky que o disco não venderia 100 mil cópias, o que já renderia disco de ouro. Ele perdeu aposta. Um ano depois, o álbum já havia vendido 250 mil cópias e, hoje, é considerado pela Revista Rolling Stone o 19º melhor disco da música brasileira.
Os Titãs, na época do Cabeça, eram uma banda de 8 integrantes e 5 cantores. “Bichos Escrotos” foi escrito por Arnaldo Antunes, Nando Reis e Sergio Britto, que falou comigo, e eu lhe perguntei “Por que quem a canta não é nenhum de vocês e, sim, o Paulo Miklos”?
Certo, Bichos Escrotos é um clássico do rock brasileiro e marca a fase de transição dos Titãs de “bichinhos fofinhos” para “escrotos transgressores do rock”, e porta-vozes de uma geração que queria mandar muitos conceitos se foderem… Mas, como aconteceu essa mudança na banda? O que aconteceu para os Titãs mudarem o estilo? Ou será que eles não mudaram? Cocão, acho melhor voltarmos essa fita para contarmos a história dos Titãs desde o início.
A história dos Titãs tem um ponto inicial que jamais deve ser desprezado, o Colégio Equipe, onde a maioria deles se conheceu.
Em uma entrevista para Marília Gabriela, Paulo Miklos lembrou de quando ouviu falar do Colégio Equipe pela primeira vez. Diziam que era o local onde a música e as artes não eram proibidas. Pelo contrário, eram incentivadas. Aliás, foi lá o primeiro emprego do Serginho Groisman que, aos 20 anos, foi contratado para coordenar e ampliar as atividades culturais do Colégio. Ele organizava shows de dança e música, campeonatos esportivos, debates e programas de complementação didática ligados a cinema, entre outras atividades. Paulo Miklos não teve dúvidas e convenceu seu pai a trocá-lo de colégio. Na mesma turma estudava com ele o Arnaldo Antunes. Olha que fita!
O Equipe era um cursinho pré-universitário que foi fundado no começo da ditadura Militar. Na época, alunos da então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP davam aulas no Equipe, que acabou se fragmentando politicamente.
No fim de 1967, insatisfeitos com as imposições da direção do grêmio estudantil, um grupo de dissidentes, que era contra o regime militar, criou o próprio cursinho e, alguns anos depois, fundou o colégio Equipe, que passou a operar em 1973 e absorveu grande parte de alunos e professores vindos de escolas experimentais desmanteladas pelo governo militar.
Caetano Veloso, Jards Macalé, Cartola, Nelson Cavaquinho, Raul Seixas, Gonzagão e Gonzaguinha foram alguns dos que pegaram carona no Fusca branco do então estudante universitário Serginho Groisman, que era um dos organizadores dos famosos eventos que aconteciam no colégio.
João Bosco e Elba Ramalho estrearam em São Paulo no palco do Equipe. Foi lá também que Gil tocou “Não Chore Mais” pela primeira vez, sentado sobre mesas escolares…. Imagina o poder de influência dessa instituição em plena ditadura?
Na bilheteria dos shows, Serginho contava com a ajuda dos alunos Branco Mello e Marcelo Fromer, que mais tarde se juntariam aos outros ex-colegas Arnaldo Antunes, Paulo Miklos, Sérgio Britto e Nando Reis. Da formação original, que lançaria o primeiro disco, apenas Tony Bellotto e André Jung não estudaram no Equipe.
A ideia de montar a banda surgiu de um projeto artístico chamado “A Idade da Pedra Jovem”, que era mais teatral do que musical, mas que tinha uma cena com os “Titãs do Iê-Iê” para tocar uma música. Era uma apresentação dentro de outra apresentação, sendo Nando Reis o baterista dessa formação.
O nome surgiu em reuniões na casa do artista plástico José Roberto Aguilar, que era uma grande influência para a rapaziada. Até rolou um EP de 5 músicas “Aguilar e Banda Performática”.
Enquanto discutiam na casa do Aguilar qual seria o nome da banda que tocaria dentro da apresentação, Nando Reis teria reparado nos nomes de algumas enciclopédias nas estantes: “Os Titãs da Literatura”, “Os Titãs da Arquitetura”, “Os Titãs das Artes Plásticas” e Nando sugeriu “Titãs do Iê-Iê”, pois tinham influências do “yê yê yê” dos Beatles e da jovem guarda, mas eram mais tribais, então seriam apenas dois “iê”.
Após gravarem em fita k7 uma das apresentações do projeto “A idade da Pedra Jovem”, eles percebem que a única coisa boa lá eram os “Titãs do Iê-Iê” e resolvem investir nisso. Além dos já citados aqui, Ciro Pessoa foi um importante membro dos Titãs dessa fase.
Com Nando Reis estudando na UFSCAR de São Carlos, decidiram que precisavam de um novo baterista. Então, André Jung entra para os “Titãs do Iê-Iê”, cuja família chegara em São Paulo do Recife fugindo da perseguição dos militares em épocas de ditadura. André, era um baterista que, além de saber tocar bem, tinha um estúdio onde eles poderiam ensaiar todos os dias.
Os Titãs não eram músicos virtuosos, mas eram esforçados. Como não tinha nenhum especialista entre eles, com exceção de André Jung, passaram a revezar os instrumentos. Paulo Miklos deve ter sido o maior multi-instrumentista dos Titãs, tocando baixo, flauta, guitarra, teclado, saxofone, bandolim, gaita e também cantando. Marcelo Fromer e Tony Bellotto se fixaram nas guitarras, Sergio Britto no teclado e Arnaldo Antunes, Ciro Pessoa e Branco Mello eram exclusivamente cantores. Nando Reis, que não acompanhava os ensaios porque estava em São Carlos, assumiu como backing vocal e os ensaios seguiram.
Em 1982 os Titãs estrearam no teatro do Sesc Pompeia em dois shows arrebatadores, com boa estrutura, o que influenciou Nando Reis a largar a faculdade e voltar para São Paulo, dedicando-se exclusivamente à música. Foi quando compuseram “Bichos Escrotos” e agregaram ao repertório ao vivo. Todos eles eram compositores, mas vale lembrar que, no começo dos Titãs, o cara que trazia as melhores ideias de música era o Ciro Pessoa, que aliás faleceu em 2020 após contrair coronavírus. “Sonífera Ilha”, “Babi Índio” e “Toda Cor” evoluíram de músicas trazidas por Ciro Pessoa.
Como qualquer banda de jovens sonhadores, os Titãs gravaram uma demo e começou sua peregrinação por reconhecimento. Não existia ainda o conceito de banda independente. Em 1982, ou você tinha um contrato com uma gravadora, ou as coisas não aconteciam.
E, o que era uma qualidade, se tornou um problema para os Titãs. Eles eram muito plurais e tropicalistas. Aliás, vários Titãs citam o show dos Novos Baianos, realizado no Colégio Equipe, como uma das maiores influências para o surgimento da banda. Ciro Pessoa disse a seguinte frase:
“Novos Baianos era o que havia de mais louco e “ripongo” no cenário musical. Eram cabeludos, como todos os alunos do Equipe, vinham de uma experiência comunitária hippie e, com toda certeza, consumiam centenas de baseados por dia.”
A mistura de estilos dos Titãs também evidenciava a falta de identidade, afinal, ainda eram garotos de classe média tirando uma onda de banda e muitas gravadoras sequer respondiam. Até chegou uma proposta bem ruim da Warner para o lançamento de um single, que serviria para testá-los. Se fosse bem-sucedido, lançariam o álbum. Era assim que as coisas funcionavam na época. Mas, o núcleo democrático dos Titãs optou por não aceitar essa proposta, visto que duas músicas em um compacto não seriam suficientes para mostrar a pluralidade de uma banda com 9 integrantes e 5 cantores.
Então, continuaram se apresentando em São Paulo, Santos e qualquer buraco que os chamasse. Detalhe, investindo no conceito, Os Titãs foram pioneiros divulgando uma grife de roupas, a Caos Brazilis. Antes mesmo dos Menudos, eles já lançavam coreografias em suas músicas. O punk paulista estava surgindo nessa época. Os Titãs se meteram em várias tretas, mas quando subiam no palco, era inevitável: jamais passavam desapercebidos.
O ponto da guinada provavelmente foi a participação no “Fábrica do Som”, em 1983, apresentado por Tadeu Jungle na TV Cultura. O formato inovador do “Fábrica do Som” mais tarde influenciou Serginho Groisman com o “Programa Livre”. Mas, essa aparição dos Titãs, em especial com a música “Querem Meu Sangue”, com Nando Reis cantando, marcou época.
Finalmente, Peninha Smith, que era produtor da Warner e caçador de talentos, faz uma proposta para que os Titãs gravem seu primeiro disco. Na verdade, era um contrato para três LPs. Na mesma época, Ciro Pessoa sai dos Titãs, após um desentendimento geral. Ele queria seguir uma linha alternativa, sem gravadoras, mas nos Titãs prevaleceu a democracia e a vontade da maioria. Ouvindo as entrevistas do Ciro, é perceptível a mágoa que ele carregou dessa época, pois sua banda, o Cabine C, não conseguiu o mesmo destaque.
Com os 8 integrantes, na formação clássica, e Nando Reis dividindo o contrabaixo com Paulo Miklos, entraram em estúdio para gravar o primeiro álbum. E não foi um estúdio qualquer! O Áudio Patrulha era especializado em propagandas onde se faziam jingles comerciais. As guitarras foram plugadas direto na mesa de som, sem passar por amplificadores e o som do disco ficou muito diferente de como a banda soava ao vivo. Porém, teve uma música que combinou perfeitamente com aquela falta de recursos: “Sonífera Ilha”.
No dia 22 de agosto de 1984 chega às lojas o primeiro LP dos Titãs, já assinado sem o Iê-Iê e contendo 11 faixas. “Sonífera Ilha” imediatamente se tornou a música de trabalho. Os Titãs contam que sempre gostaram muito de TV, programas de auditórios e a partir de então começaram a visitar todos esses programas divulgando o disco.
Sabe uma curiosidade sobre esse disco que talvez você não saiba? É nele que está Marvin, uma canção de Nando Reis sensacional, versão de Patches, que não foi trabalhada pela gravadora, porque na época Nando saiu dos Titãs.
Eu adoro esse disco e, sabendo da história sobre como ele foi gravado, qualquer imperfeição na gravação passa batido. O reggae era um estilo que os Titãs adoravam. “Go Back”, apesar de não ter sido tão bem sucedida nas rádios como foi Sonífera Ilha, marca os dois singles do álbum de estreia dos Titãs… que a essa altura já pensavam no segundo disco. É quando acontece a famosa troca de baterista: André Jung sai dos Titãs e vai para o Ira!, e Charles Gavin sai do Ira e vai para os Titãs.
Essa foi a versão do André Jung. Ciro Pessoa sempre disse em suas entrevistas que tanto os Titãs quanto o Ira! sabotaram a sua banda, o Cabine C, pois Charles Gavin que tocava bateria foi para os Titãs e Edgard Scandurra, guitarra, foi levado para o Ira!. A verdade é que todo mundo lá tocava em mais de uma banda, então, quando os contratos começaram a pintar e, consequentemente, o dinheiro, os músicos iam se encaixando em suas bandas definitivas. O disco seguinte dos Titãs, primeiro com Charles Gavin na bateria foi “Televisão”:
“Ô, Cride, fala pra mãe”… Eu tinha um primo chamado Euclides. Ele era muito divertido e, desde a minha infância até hoje, quando nos encontramos o nosso cumprimento é cantar esse trecho da música. Grande sacada dos Titãs, mas o disco “Televisão” foi incompreendido e mal sucedido. Primeiro porque essa música, “Televisão”, criou um clima com as emissoras de TV, pois sugeria que a televisão deixava as pessoas burras, como de fato é. Mas, não esqueçam que o principal canal de divulgação da época eram as emissoras de TV.
Os Titãs convidaram Lulu Santos para produzir esse segundo disco. Não sei ao certo por quê. Talvez para agregar valor ao produto. Só que o Lulu não entendia a pluralidade dos Titãs, com as músicas todas diferentes umas das outras.
Tem músicas fantásticas nesse disco, mas eu gosto muito mais das versões que lançaram depois. “Televisão” foi pensado para ser um disco que imita uma televisão, de modo que cada faixa representasse um canal. Em outras palavras, a ideia era que as faixas mudassem de um gênero para outro da mesma forma que um canal de TV. Mas, os próprios Titãs assumiram que isso foi uma tentativa mal sucedida, pois fortalecia a falta de contexto. Uma das minhas músicas preferidas dos Titãs está nesse disco, “Não vou me adaptar”, do Arnaldo Antunes, que é um compositor incrível, mas às vezes pouco compreendido.
Outra curiosidade é que “Pra dizer Adeus”, que ficou famosa no Acústico MTV, foi lançada primeiro nesse disco numa versão Reggae.
O álbum vendeu 25 mil cópias, o que foi considerado um “relativo fracasso” pela banda, mas foi elogiado pelos críticos que aprovaram seu foco incondicional. Outra curiosidade é que, durante uma apresentação da faixa “Massacre” no programa de Marília Gabriela, o político Jânio Quadros, que estava lá pra uma entrevista, protestou dizendo que “aquilo não era música” e sim “uma porcaria”.
Cocão – Em 1985 a personalidade dos Titãs ainda era frágil e Gilberto Gil, quando perguntado se ele gostava das novas bandas, acabou comparando os Paralamas do Sucesso com os Titãs. Sem saber que já existia uma rivalidade entre eles, Gil disse que os Paralamas em três faziam um som enorme e os Titãs, em 8, traziam o som do radinho de pilha para nossa atualidade. Gil não quis desmerecer os Titãs, mas eles ficaram profundamente chateados com aquela comparação… porque ainda não haviam encontrado a sonoridade dos Titãs, e já era hora de gravar o terceiro disco, último do contrato.
Bem lembrado, Cocão, e caso eles não revertessem as baixas vendas de “Televisão”, provavelmente não renovariam o contrato com a Warner. Para piorar, foi exatamente quando Arnaldo Antunes e Tony Bellotto foram presos…
Não podia ser verdade aquilo que estava acontecendo! Justo no momento crucial de sobrevivência da banda, dois Titãs são presos: Tony Bellotto por porte de drogas e Arnaldo Antunes por tráfico… Foi escandaloso. A mídia sensacionalista caiu matando e, como consequência, todos os shows e as aparições em TV e rádio foram canceladas. Os Titãs entraram em recesso. Vamos ouvir Arnaldo sobre isso:
Quando eu falo que esse é o melhor disco do B Rock, muitos fatores estão envolvidos nessa minha opinião. Questões técnicas de produção e melodias poderosas, mas principalmente o que fez esse disco ser grande foi o contexto. Finalmente os Titãs descobrem a sua sonoridade e se libertam dos “bichinhos peludos”, se assumindo como roqueiros transgressores. A prisão teve tudo a ver com isso. Até hoje é um assunto evitado pelos ex-Titãs. Eles até falam sobre isso, mas de uma maneira genérica, sem se comprometer. Éramos jovens, jovens fazem essas coisas… Para não ser vago, vou fazer um compilado das inúmeras matérias que saíram na época:
Era madrugada de 13 de novembro de 1985 quando Tony Bellotto, guitarrista dos Titãs, foi levado para a delegacia pela Polícia por porte de heroína. Durante o interrogatório, num misto de ingenuidade e nervosismo, ele revelou que Arnaldo Antunes, vocalista da banda, havia lhe passado 30 mg da droga. Imediatamente policiais foram até a casa dele e o levaram preso em flagrante, após encontrarem em seu quarto 128 mg do pó ilícito.
A dupla respondeu ao processo em liberdade. Tony, enquadrado como portador, foi liberado logo após pagar fiança. Arnaldo, entretanto, por ter sido enquadrado como traficante, não teve direito a fiança e ficou preso até dia 9 de dezembro. Em junho do ano seguinte o guitarrista e o vocalista foram julgados e condenados a, respectivamente, seis meses e três anos de pena em regime aberto, por conta de bons antecedentes e trabalho comprovado.
Tony Bellotto, que você acabou de ouvir em entrevista para a Trip TV, compôs uma das músicas mais marcantes do “Cabeça”: “Polícia”
Ouvindo as sensacionais músicas que fazem parte do terceiro álbum dos Titãs, você pode até imaginar que foi de boa, que os caras deram a volta por cima, mas não foi nada disso. Como eu já falei, e reafirmo, a repercussão da prisão colocou os Titãs na geladeira. Nando Reis narra que o pior momento dessa fase foi quando eles fizeram um show em São Paulo e ele percebeu que tinha mais pessoas em cima do palco do que na plateia.
Essa era a fase de promoção do “Televisão”, que simplesmente parou, porque ninguém mais queria abrir as portas para os Titãs. É aí que entra uma outra personalidade intrigante nessa história, Fausto Silva, que apresentava o “Perdidos na Noite”. Faustão já conhecia os Titãs, da época do Balancê, seu antigo programa de rádio. Nessa época da prisão, o Perdidos na Noite, que começou na Gazeta, havia migrado para a Record. Contrariando os executivos da emissora, Faustão, que fazia o perfil de apresentador desajuizado e provocativo, fez questão de trazer os Titãs e ainda os apoiou. Se liga:
Cansados dessa situação, que criou uma crise nos bastidores, eles fizeram o que qualquer animal acuado faz… atacaram e soltaram o verbo. Detonaram as instituições e, já que era o último álbum do contrato com a Warner, não tinham mais muito o que perder. Por isso que o “Cabeça Dinossauro” é um disco “porrada”.
Mas o “Cabeça” não é só porrada e atitude transgressora. Havia uma grande insatisfação por parte dos integrantes sobre a sonoridade dos dois primeiros discos dos Titãs, então eles foram atrás de um produtor que era o cara: o Liminha!
Certa vez eu ouvi, não me lembro em que lugar nem quem disse, que onde o Liminha colocasse a mão, virava um sucesso. Caso você não tivesse uma boa ideia, era só procurar o Liminha que ele teria. Sou grande fã do trabalho dele, mas se espalhou um mito de que, quando o Liminha produzia, o disco deixava de ter as características do artista, para ter as características do Liminha. Só que os Titãs queriam preservar sua sonoridade, mas também queriam soar grandes, como os discos que o Liminha produzia.
O “Cabeça Dinossauro” foi lançado no dia primeiro de junho de 1986 e, poucos dias depois, fizeram quatro shows no Projeto SP lotado. Quando os Titãs tocaram as músicas novas ficaram surpresos, pois o público já sabia as letras e cantava junto com a banda. Estava exorcizada a má fase que precedeu esse disco icônico.
Não posso encerrar esse episódio sem antes mandar aquele salve em reconhecimento ao apoio dos diretores desse Clube: Matheus Godoy, Henrique Vieira Lima, Caio Camasso, Marcelo Leonardo, Luis Machado, Lucas Valente, Antonio Valmir Salgado Jr, Emerson Silva Castro, João Junior Vasconcelos Santos, Diego Vinicius, Jaques Liston e Liston Jr. Mais que sócios: Diretores do Clube da Música Autoral… Siga a gente nas redes sociais, estamos no Twitter, Facebook, Instagram, Telegram e YouTube. Só de seguir você já começa a fazer parte desse Clube.
A história dos Titãs, famosos nacionalmente, começa aqui, com o lançamento do “Cabeça Dinossauro”, em contraste com a nossa história de hoje, que termina aqui. Eu gosto do “Cabeça”, mas tem muita gente que diz que o melhor disco dos Titãs foi o “Jesus Não Tem Dentes No País Dos Banguelas”, lançado no ano seguinte. Tem também quem diga que o melhor é “Õ Blésq Blom”, que surgiu logo depois. Acho que essa é a tríplice coroa dos álbuns dos Titãs. Sem dúvidas, discos muito importantes para a música brasileira, que me trazem ótimas lembranças. Fico envaidecido de poder falar a respeito.
Se você é ligado na história dos Titãs, sabe que tem muito drama para ser lembrado, né? A saída do Arnaldo Antunes em 1991. A morte do Marcelo Fromer em 2001. A saída do Nando Reis em 2002… São muitas emoções. Se você reconhece valor no que fazemos aqui nesse podcast e quer que a gente continue publicando as histórias das músicas, seja um sócio desse clube. Acesse clubedamusicaautoral.com.br/assine e conheça as vantagens que você recebe em troca do seu apoio.
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Quero agradecer ao Sergio Britto, que falou com exclusividade para o Clube e enriqueceu muito esse episódio. Os sócios do clube vão receber um episódio exclusivo com a entrevista dele na íntegra, falando sobre “Bichos Escrotos”. Fiquem ligados e, se você ainda não é, seja um sócio.
E por falar em “Bichos Escrotos”, Cocão, sugiro terminarmos com uma versão ao vivo para lembrarmos dos shows que assistimos dos Titãs e que tanto nos faltam ultimamente.
Esse podcast é um oferecimento dos sócios do Clube da Música Autoral. A revisão do roteiro é da Camilla Spinola e do Gus Ferroni. A arte de vitrine é do Patrick Lima. A edição é dele, Rogério “Cocão” Silva. E a produção é minha, Gilson de Lazari. Foi um prazer falar de música com vocês e até a próxima.