Gabriel O Pensador, quando nos apresentou o tal índio que se tornou o novo ministro da justiça, também romantizou o cachimbo da paz, aquele que deixou o povo mais feliz, porém, por trás dessa metáfora, ainda tem muita história para contar.
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Roteiro e locução: Gilson de Lazari
Revisão: Camilla Spinola e Gus Ferroni
Transcrição: Camilla Spinola
Arte da vitrine: Patrick Lima
Edição de áudio: Rogério Silva
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O mundo está passando por uma crise sanitária. Um tal vírus mudou a rotina de todos causando pânico, insegurança e muitas mortes. Cientistas e profissionais da saúde foram unânimes e decretaram que a melhor forma de conter a expansão do tal vírus era através do isolamento social. E, aqui no Brasil, o que deveria ser motivo de união, na verdade nos dividiu. De um lado os que acreditam na mortalidade do vírus e, do outro, os que duvidam.
Mas, Gilsão, que história é essa? Onde você quer chegar com isso, meu filho? Coronavírus é passado…
Pois é, com certeza quando você estiver ouvindo isso, será passado, e tudo já estará resolvido. Mas, eu aqui, no isolamento social, comecei a refletir sobre um dos maiores defeitos da humanidade: a certeza.
Porra, por que as pessoas de 32 dentes precisam sempre estar certas? Por que não podemos valorizar nossas dúvidas? Por que é tão humilhante assumirmos que podemos estar errados?
E, deitado com essa reflexão, logo me lembrei de uma outra vez, quando homens cheios de certezas resolveram proibir o cachimbo da paz…
Após algum tempo ficou provado que eles estavam errados. Mas, mesmo assim, você ainda não pode questionar homens cheios de certezas, pois isso fere o enorme ego dos crentes e, pior, pode causar um efeito contrário: a negação dos fatos, por exemplo.
O jeito é fazer como Gabriel, O Pensador, fez, em 1997, e usar a música em metáforas para explicar o óbvio. Isso fará aquele homem cheio de certezas, refletir e talvez aceitar os fatos. Parece mágica, não? E, se tem duas coisas nessa vida que salvam… uma é a música; a outra é a reflexão.
Nosso assunto de hoje, dizem que é do bom, dizem que não presta, mas o fato é que o Cachimbo da Paz indiscutivelmente deixou o povo mais feliz…
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Está curtindo a quarta temporada? Então mande um comentário. Os melhores serão lidos em um episódio extra que Cocão e eu faremos ao final dessa temporada. Nós estamos no Facebook, no Instagram, no Twitter e no YouTube. Procure por Clube da Música Autoral que só de seguir você já começa a fazer parte desse Clube. E se quiser ser um sócio oficial e colaborar diretamente, acesse clubedamusicaautoral.com.br/assine e conheça as vantagens que você recebe em troca do seu apoio.
E aí? Será que o cachimbo da paz realmente deixou o povo mais feliz, ou isso era uma armadilha para desviar os distraídos para o crime? Muitas certezas estarão em xeque nesse episódio e Gabriel, como o nome diz… é um pensador, um expert em nos fazer refletir e, assim, passar a bola para que nós possamos tirar nossas próprias conclusões….
Porém, estávamos falando de um cantor de hip hop. Cada uma de suas músicas já são autoexplicativas, praticamente um podcast. Será que tem espaço pra gente acrescentar algo?
É o que veremos a partir de agora. Mande os sinais de fumaça, caro Cocão, pois com respeito e sem ser vago… lembraremos da trajetória do mais popular rapper Brasileiro: Gabriel, O Pensador…
Dia 02 de outubro de 1992, após inúmeros plantões jornalísticos arrepiantes, interrompendo a programação das emissoras de TV, finalmente Fernando Collor era afastado da presidência.
Após o congelamento das poupanças, a aquisição irregular de um Fiat Elba… fez o bom moço fabricado pela mídia, o tal caçador de marajás, cair de joelhos… em uma cova rasa, ao lado da nossa frágil democracia. Muitos foram culpados pela morte política do presidente Collor, mas apenas uma pessoa teria coragem de assumir o crime publicamente…
Foi ouvindo essa música que eu, com 14 anos na época, um molecão caipira no velho oeste paulista, conheci Gabriel, O Pensador, aquele que matou o presidente e, por isso… estava feliz.
Até hoje é meio surreal ouvir esse rap. O teor de agressividade é alto. Mas, lembrando o ocorrido, a indignação era muito maior. Desde o fim da ditadura militar, muitos músicos arriscaram dizer palavrões e até sexualizaram suas músicas. Mas, Gabriel, O Pensador, esticou esse elástico da liberdade de expressão artística ao extremo e, quando disparou, sabe em quem ele acertou? O velho alvo da moralidade. Moral da história…
A música foi censurada. Desde o fim da ditadura, nenhuma expressão artística havia sido censurada. Isso até a demo da canção “Hoje estou feliz, matei o presidente” chegar às rádios cariocas e se tornar a mais pedida. A justificativa do Ministério da Justiça foi que a letra incitava a violência contra o presidente, que já estava em processo de impeachment, e isso poderia influenciar um crime.
Porém, como em tempos de ditadura, a censura promoveu ainda mais a canção proibida e lançou o rapper, até então desconhecido, ao sucesso momentâneo. Alguns dias depois, Gabriel, O Pensador, estava dando entrevistas para revistas e canais de televisão e logo assinaria seu primeiro contrato. Enquanto isso, Fernando Collor era afastado da presidência do Brasil.
Foi a época dos cara pintadas, quem matou PC Farias e do topete de Itamar Franco. Isso tudo consta nos autos do primeiro impeachment de um presidente brasileiro. O que não consta… é como o nosso protagonista do episódio de hoje chegou até lá e se envolveu nessa treta. Mas, pode deixar que agora vamos voltar a fita para descobrir quem era esse tal Gabriel, O Pensador, que matou o presidente do Brasil.
O Pensador se chama Gabriel Contino e nasceu no Rio de Janeiro dia 04 de março de 1974. Era para ele ter se chamado Pablo. Sua gestação foi de risco e, após sua mãe ler o livro “Cem anos de Solidão” do escritor Gabriel Garcia Márquez, resolveu mudar para Gabriel… Imagina: Pablo, O Pensador?
A mãe de Gabriel, Belissa Ribeiro, é bem importante para a nossa história. Ela é uma famosa jornalista que ajudou a desenvolver informativos como o Jornal da Globo, e ajudou a revelar importantes nomes do jornalismo como Ricardo Boeachat, Miriam Leitão e William Wack.
Belissa foi assessora do presidente Collor. Então, dá pra imaginar o rolo que deve ter dado quando surgiu a canção do filho rebelde, né? O pai de Gabriel se chama Miguel Contino, e ele foi embora quando o filho tinha apenas 6 meses. A mãe o criou e a influência literária em sua casa era latente. Já na adolescência, sua mãe se mudou para uma casa em São Conrado que ficava ao lado da favela da Rocinha. Foi quando Gabriel se envolveu com a galera do Cantão.
Gabriel era um playboy? Sem dúvidas! Mas, ao conviver com a galera do cantão, ele começou a pensar fora da caixinha…. Apesar de que, nessa época, ele ainda não pensava em ser um rapper. Aliás, o rap no Brasil sequer existia. O estilo evoluiu da música black, e ritmos que embalaram o break dance.
Os primeiros grupos de dança de rua brasileiros nasceram na estação São Bento e, com o interesse da mídia, logo o estilo musical, que era também um estilo comportamental, se espalhou por todo Brasil. E no Rio de Janeiro não foi diferente. Gabriel narra que foi atraído para o lado musical quando tinha apenas 8 anos e ouviu Michael Jackson que, na época, lançava o icônico álbum “Thriller”, de 1982.
Até os 16 anos, não existiam grandes pautas sociais em sua vida. A paixão do jovem Gabriel era o Surf, esporte que ele pratica até hoje. Mas, conforme ele se envolvia com a realidade do morro, mais ele percebia a desigualdade social. Quando saíam para pichar muros, a polícia dava porrada apenas nos jovens negros. Gabriel começou a perceber que existia uma distorção social no Brasil.
Enquanto São Paulo já apresentava os primeiros representantes do rap como Thaíde e os Racionais MC’s, no Rio, Katia Flávia de Fausto Fawcett era o mais próximo que os cariocas chegavam do estilo. Porém, costurando as primeiras rimas do rap underground carioca estavam MV Bill e os grupos Damas do Gueto, Filhos do Rap, entre outros que foram convidados para participar da primeira coletânea do rap carioca, chamada “Tiro Inicial”. E Gabriel, que havia se envolvido com os movimentos negros estudantis da época, também estava lá e fez uma participação na faixa Geração Futuro.
É evidente que o rap gangster que deu certo em São Paulo não colou no Rio de Janeiro. Gabriel frequentava os bailes funk e, sempre que deixavam, ele pegava o microfone para mandar ver suas rimas até que, em um desses bailes, ele cantou pela primeira vez a canção que lhe abriria as portas… “Hoje eu tô feliz, matei o presidente”
Mas sabe o que é ainda mais doido nessa história? Vinte e cinco anos depois, após o impeachment de outro presidente (no caso, da Dilma Rousseff), Gabriel decidiu que era hora de voltar a jogar bola com a cabeça de outro presidente, e o político da vez foi o Michel Temer…
É, meu irmão, que fase política passou e ainda passa o nosso Brasilzão, não? Nessas, muitos se deram mal, mas alguns se deram bem. Gabriel por exemplo. E, como sempre digo, não basta ter talento: é preciso sorte e estar no lugar certo na hora certa… E, ao cantar aquela crítica vomitada ao presidente que, em comum, quase todos os brasileiros queriam derrubar, Gabriel, se tornou O Pensador, e aproveitou a ascensão momentânea para ir até as dependências da Sony Music levando consigo apenas um caderno de letras e uma fita K7 com beats gravados. Cantou suas rimas, mas não convenceu. Mesmo assim, os dirigentes da Sony toparam produzir uma demo para analisar o potencial comercial do rapaz e, aí sim, após uma produção musical minuciosa, o interesse dos empresários despertou e, em 1993, um ano após o impeachment de Collor, chegava às lojas o primeiro disco homônimo: Gabriel, O Pensador.
Lôrabúrra tirava um pouco da seriedade do disco e foi um grande sucesso. O álbum de estreia vendeu, na época, 350 mil cópias. Outro grande hit foi “Retrato de um Playboy”, em que Gabriel tirava um sarro com os lutadores de jiu-jitsu que iam para academia aprender a lutar para depois brigar na rua. Uma triste realidade que alguns jovens que viveram nos anos 90 devem lembrar.
Gabriel foi chamado de hipócrita por essa canção, afinal, ele era um playboyzinho também e demorou para o rapper branco da zona sul se livrar desse estigma. Esse disco foi produzido pelo DJ Meme, que refinou as batidas eletrônicas, mas também manteve a parte musical orgânica a pedido da gravadora. Isso, no futuro, seria a marca registrada do Gabriel, O Pensador. E nesse disco está latente na canção “Lavagem Cerebral” que, diga-se de passagem, é uma da melhores.
Seguindo nessa mesma onda de provocação e assuntos polêmicos, em 1995 chegou às lojas o segundo disco do Pensador intitulado “Ainda é Cedo”. Gabriel criticou o sistema de ensino, acusando as instituições de ensinar os alunos a decorar e não aprender. Isso acabou colocando muitos professores contra ele. Já na canção “FDP3”, O Pensador resolveu criticar as instituições religiosas que lucravam com a fé.
As mensagens do rapper eram diretas e provocativas e, apesar das polêmicas, esse disco não repercutiu como o primeiro. Apenas a canção “Rabo de Saia” ganhou o VMB daquele ano como melhor videoclipe de rap.
Será que Gabriel, O Pensador, era um artista de um disco só? Esse boato corria nos bastidores, já que o segundo disco tinha sido um fiasco de vendas. Mas, O Pensador se reinventou e, em 1997, desistiu de ser um rapper “malvadão” e lançou o disco que muitos consideram a sua obra prima… “Quebra-Cabeça”. Se liga no swing:
Aparentemente, Gabriel havia sacado que a crítica escarrada não vendia discos e, por ele ser um rapper branco e bem-nascido, teria sempre que conviver com as críticas de seus colegas do morro. A virada em sua carreira se deu quando O Pensador conseguiu intelectualizar suas letras através de metáforas. É nesse disco que foi lançado “Cachimbo da Paz”. Mas não era só ela que seguia essa métrica. Em “Pátria Que Me Pariu” de forma genial Gabriel contou a história de uma prostituta chamada Brasil:
Quando eu falo que Gabriel mudou a partir desse disco não estou de papo. Agora, ele se apresenta mais sensível também, com histórias filosóficas como a que foi contada em “Para Onde Vai”… Se liga.
Demais né? Com maturidade e sem perder a mão nas lutas sociais, o rapper carioca se consolidou no mercado fonográfico, mas não posso passar por esse disco sem lembrar da versão de “festa de arromba” do Gabriel, O Pensador, que na verdade se chama a “Festa da Música Tupiniquim”
Sensacional e tudo mais… Olha, Gabriel, O Pensador, ganhou inúmeros prêmios e gravou mais 4 discos de estúdio depois disso: “Nádegas a Declarar” de 1999, “Seja Você Mesmo (Mas Não Seja Sempre O Mesmo)” de 2001, “Cavaleiro Andante” de 2005 e “Sem Crise” de 2012. Ele continua na ativa até hoje, e se envolveu em vários projetos sociais. Enfim, temos ainda muitas histórias para contar sobre a carreira do Pensador, mas não hoje. Pois a partir de agora, segura, prende e passa… porque vamos mergulhar no tema do Episódio 36… “Cachimbo da Paz”
Macoooonha… Inevitavelmente, a primeira impressão de quem ouve essa canção é assimilá-la como um manifesto pela liberação do canábis. Mas, sinto te decepcionar, caro ouvinte. “Cachimbo da Paz” não fala apenas sobre maconha. Ela, na verdade, é uma metáfora e o principal objetivo do autor é criticar a hipocrisia.
Tanto Gabriel, O Pensador, quanto muitos ouvintes do Clube, conhecem a história que existe por trás da erva, que revelam os reais motivos desse cigarro ser proibido. Mas, para você que talvez não se lembre, antes de começarmos a falar sobre a canção é necessário deixar isso bem claro, pois estamos falando, também, sobre opressão e preconceito.
O negacionismo ao uso do canábis começou em Nova Orleans, nos Estados Unidos, no início do século XX, por acaso durante o auge do seu consumo. E, quem o impulsionou… foram os músicos de Jazz.
Ao fumar o canábis, os músicos tinham a impressão de estar tocando melhor, mas, na verdade, o que a erva faz é relaxar e dar a impressão de que o tempo está passando mais lentamente. Consequentemente, os virtuosos músicos da década de 20, tocavam as canções num ritmo mais lento e, assim, conseguiam improvisar melhor.
Além disso, os bares eram segregados e negros não podiam frequentar os mesmos ambientes dos brancos. Só que, veja bem, era só no lado negro de Nova Orleans que havia o jazz e a canábis. A erva, também carregava a mística de deixar as pessoas mais amorosas. Mulheres ficavam mais suscetíveis às azarações e o clima de paz e amor exalava pelos clubes negros. Logo, os brancos que experimentavam aquela sensação única ficavam alucinados e sempre queriam voltar. A reputação se espalhou e, logo, Nova Orleans se tornou a meca do amor e da boa música. Repito, isso em 1920. Época em que, para muitos americanos conservadores, negros não eram considerados sequer gente. Acho que dá pra imaginar a treta, né?
Para piorar, nessa mesma época estavam chegando muitos imigrantes aos EUA e havia uma invasão latina em massa. As jovens americanas estavam sendo conquistadas por imigrantes descolados, com seus cigarros de canábis, e isso causava muita insegurança nas famílias tradicionais. Logo, os governantes foram obrigados a intervir. O cara que criminalizou a canábis se tornou historicamente famoso. Seu nome era Harry Anslinger, o primeiro comissário de narcóticos do governo americano. Entre outras ações contra a erva, Harry, passou a divulgar falsos estudos e, na mídia, trocou o nome para Marijuana, como os latinos a chamavam. Assim ele faria a conexão mais facilmente de que a erva era latina e estava invadindo a América trazida por pessoas ilegais.
Mas, ficou provado anos depois que, na verdade, Harry era um racista que queria prender negros e, após a proibição do uso da erva, milhares de afro-americanos e latinos foram para cadeia sem direito a julgamento. Harry, que também controlava a mídia da época, passou a divulgar que o motivo dos crimes hediondos era causado pelo uso da Marijuana. Uma fake news inventada há quase 100 anos atrás, em que muitos, ainda hoje, querem acreditar.
Gabriel, O Pensador, foi inovador ao trazer esse conceito histórico para uma realidade brazuca, onde a criminalidade domina as cidades e a sociedade culpa as autoridades. O caos supostamente teria levado o presidente da república a um surto, que o motiva a viajar para o Pantanal e, lá, encontra um velho índio que fumava um cachimbo da paz. Deu um tapinha e ficou com preguiça. Aliás, um sintoma típico de quem usa a canábis: o relaxamento. Moral da história, o presidente, sabendo da pedreira que esperava por ele lá em Brasília, um local onde todos vivem à flor da pele, nomeou o velho índio para Ministro da Justiça, que levou consigo a novidade: a paz… Genial!
Na metáfora do pensador, a mesma coisa que aconteceu em Nova Orleans acontece aqui no Brasil. Tentam proibir e tentam liberar. Aliás, o trompetista de jazz Louis Armstrong também foi preso na época da guerra contra a marijuana, mas como ele era muito famoso, o governo resolveu soltá-lo temendo uma virada na opinião popular que estava abraçando a ideia de que a erva era do mal. Louis narra que não entendia por que estavam proibindo algo tão bom e natural: uma erva que acalmava e inspirava as pessoas. Então encabeçou o primeiro movimento de descriminalização da Canábis, e isso foi lá em 1930, vejam só…
Aqui, na versão brazuca do Pensador, a solução do velho índio havia dado certo em partes. Não era uma unanimidade, mas quando ele anunciou que estava indo buscar uma tonelada, Gabriel sugere que os políticos da oposição votaram um decreto criminalizando o cachimbo.
Dizem que política é a arte de adiar uma decisão até que ela já não seja mais necessária. Porém, sabemos que quando eles querem essa decisão pode ser para ontem… E, quando o velho índio estava voltando para a capital, foi preso.
Gabriel dedica praticamente toda essa parte da letra para conscientizar sobre os malefícios do álcool. E é aí que entra a grande hipocrisia por trás da criminalização da erva. Mesmo no início do século XX, proibir a erva já soava absurdo, afinal, o álcool deixava as pessoas muito mais chapadas e causava muito mais acidentes e crimes. Com a pressão dos fatos, que eram inegáveis, o governo americano proibiu tudo, inclusive o álcool. Esse ato ficou conhecido como a lei seca que, em contrapartida, projetou ilustres traficantes como Al Capone, por exemplo.
Porém, vale lembrar que o governo lucrava com a venda do álcool. Bebidas destiladas geravam empregos e agitavam os comércios noturnos. Já a marijuana por sua vez, vinha de comunidades negras, geralmente trazidas por imigrantes ilegais… Moral da história… Álcool foi liberado, canábis não.
De acordo com a OMS, Organização Mundial da Saúde, mais de 3 milhões de pessoas morrem por ano por causa do álcool. 28% dessas mortes são resultado de lesões como, por exemplo, acidentes de trânsito. Outros 21% são distúrbios digestivos graves. 19% são doenças cardiovasculares e, o restante, doenças infecciosas, câncer e transtornos mentais… Era por isso que o velho índio se perguntava perplexo… com tantas drogas e tantas mortes… por que só o meu cachimbo é proibido?
Foi na penitenciária que o índio conheceu o crime de verdade. O nosso sistema carcerário é falido e inchado, principalmente por causa do fracasso do Ministério Público no combate ao tráfico. Você sabia que 1 em cada 3 presos no Brasil responde por tráfico de drogas? E não quero romantizar as drogas pesadas, não. Eu sei dos prejuízos que elas causam, mas a droga recreativa mais procurada nas bocas é a erva, a maconha. Você consegue imaginar o quanto a liberação do cachimbo da paz, descapitalizaria os traficantes?
Mas isso infelizmente virou pauta ideológica e falar sobre maconha, e uma possível legalização, fere a frágil razão de pseudopolíticos religiosos que tentam e conseguem atrasar uma evolução que é iminente.
Na metáfora do Pensador, se você quer comprar um cachimbo da paz, é mais fácil que pão. Pois ele é vendido pelos mesmos bandidos que mataram o velho índio na prisão. O governo brasileiro, ao atrasar a descriminalização da erva, apenas ajuda e promove os mesmos bandidos de sempre, que hoje podem estar até entre eles, de gravata e fazendo discursos em favor da família tradicional.
Historiadores narram que a Canábis é uma erva cujos efeitos são conhecidos há milhares de anos. Se ela não tivesse sido criminalizada aqui no Brasil em 1930, talvez ao ver um caboclo agachado pitando um cigarro de palha, em vez de fumo, lá poderia ter maconha. Você consegue imaginar seu avô fumando um baseado?
Pois é… para muitos isso é impossível de se imaginar, aliás, para alguns é até uma ofensa cogitar isso. Afinal, a versão que aprendemos nas igrejas e nas mídias nos conta que a erva é do diabo, e nos coloca sob a ira de Deus. Pela lei dos homens, as consequências, apesar de mais brandas, também são severas.
Mas saiba você que até o século XX a maconha ainda era lícita e economicamente positiva aqui no Brasil. Indústrias têxteis eram movidas com as fibras da maconha. Mas, com a expansão do conceito americano, que demonizava a erva, ela foi se tornando rejeitada no mercado nacional, principalmente por representar as baixas classes sociais, já que seu uso recreativo simbolizava as raízes culturais do continente africano. Ou seja, o preconceito foi mais forte que a razão.
O mais interessante disso tudo é que a Terra, redonda, dá voltas… a plana, não tenho certeza. E, nessas voltas da Terra redonda, hoje em dia, dos 50 estados americanos existentes apenas 3 ainda insistem em não descriminalizar a maconha. E vale lembrar que a descriminalização difere da legalização. Ela apenas acaba com o fator criminal da posse recreativa e permite o cultivo para fins capitalistas. Hoje, a maconha movimenta 7 bilhões de dólares anuais na economia americana e, vejam só, desses empresários que lucram com a venda legalizada da maconha, apenas 20% são negros.
E é assim que vamos chegando ao fim de mais um episódio do Clube. Se você pensava que o objetivo do Gabriel, O Pensador, era falar sobre justiça social e o conceito que criminalizou a erva para justificar atos racistas, sinto muito. Ainda não foi dessa vez, pois poucos entenderam dessa forma. Mas, se a ideia era fazer a gente pensar a respeito do assunto de forma metafórica… Parabéns, Gabriel… Missão cumprida.
Cocão, eu sei que é de praxe a gente encerrar os episódios com uma versão ao vivo da música tema, mas o que você acha da gente encerrar com uma música do Gabriel, chamada “Linhas Tortas,” onde ele mesmo conta a história dele? Lembra que eu disse, que as próprias músicas do filho da mãe já eram um podcast? Pois é… se eu não expliquei direito, talvez ele explique. E aí Gabriel, como começou?
Meu reconhecimento aos ilustres sócios diretores do Clube: Henrique Vieira de Lima, Caio Camasso, Emerson Silva Castro, Antônio Valmir Salgado Junior, Dilson Correa Lima, Mateus Godoy, João Jr Vasconcelos Santos, Luiz Machado, Lucas Valente, Camilla Spinola, Tiemi Yamashita e Marcelo Leonardo. Eles são mais que sócios: são diretores do Clube e nos ajudam muito a manter viva essa missão de levar boas histórias até vocês.
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Beleza? O assunto é polêmico, então, se você concorda ou discorda, mande um comentário que os principais serão lidos em um episódio extra ao fim dessa temporada…
A produção do Clube é minha, Gilson de Lazari, e a edição é do Cocão, o Rogério Silva. Foi um prazer falar de música com vocês e até a próxima!