“Minha religião é a música,” disse Jimi Hendrix.
Nós, também somos devotos da música, mas negar a fatia do mercado conquistada pela música religiosa, é um grande erro. Tudo isso, tem uma origem e nesse episódio extra, nos aventuramos nesse assunto, que é repleto de curiosidades.
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Finalmente, o livro “Os Delírios Musicais” foi lançado!
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Roteiro e locução: Gilson de Lazari
Revisão: Camilla Spinola e Gus Ferroni
Transcrição: Camilla Spinola
Arte da vitrine: Patrick Lima
Edição de áudio: Rogério Silva
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Quem já acompanha o Clube, tá ligado. Sempre, após o fim das temporadas, fugimos um pouco do padrão e produzimos episódios extras, onde falamos, claro, de música, sempre o assunto aqui é música. Mas falamos de uma forma assim, mais livre e abrangente. Por exemplo, o episódio extra mais baixado do Clube é o Extra 3 “Música e cinema”, e um dos meus preferidos é o Extra 1 “A história da música”. E hoje, como já anunciado, falarei sobre a ligação da música com a religião. Vocês sabiam que isso é um troço muito antigo, né? E foi misturando música com religião que a poderosa indústria da música se reinventou nos anos 50… Pois é. E hoje de Lúcifer a Jesus, de Beatles até padre Marcelo, de 8 a 80… Muitas histórias e curiosidades que envolvem música e religião serão narradas.
Mas antes de por a mão na massa, alguns rápidos recados. Primeiramente quero avisar que deu certo. O livro, “Os Delírios Musicais”, já é uma realidade. Nele conto a minha história de superação através da música e quem quiser já pode adquiri-lo pelo Amazon. O link vai estar na descrição desse episódio. E, aos ouvintes sensíveis que ajudaram no financiamento adquirindo o livro e demais prêmios na pré-venda, quero, além de agradecer mais uma vez, reiterar que em breve vou enviar os prêmios para vocês. Beleza? Fiquem ligados nos e-mails.
Aviso também que o Clube da Música Autoral não é mais um afiliado do Overcast. Agora nós fazemos parte, oficialmente, da rede de podcasts que foge do padrão da podosfera brasileira. E outra novidade também: agora assina como Vox Mojo. Um grande abraço ao Nix, a quem também agradecemos pela confiança. Para saber mais sobre essa parceria acesse overcast.com.br
E, por último, atendendo centenas de milhares de “zilhões” de pedidos, avisamos que a vinheta da porta está oficialmente aposentada. Solta ela pela última vez Cocão.
Acabou. Já era. Só eu mesmo que gostava dessa vinheta. Então, nos próximos episódios estaremos testando novas vinhetas, e muito ajuda quem puder nos escrever nas redes sociais as suas opiniões sobre essas novas vinhetas, tá bom? O clube está no Twitter, no Instagram, no Facebook e no YouTube. É só procurar por Clube da Música Autoral que só de seguir você já começa a fazer parte desse clube.
Cocão, vamos falar sobre música e religião…
A palavra religião, do latim religio, -onis, representa um conjunto de crenças que tentam explicar suas visões de mundo, relacionados a evolução da humanidade e sua espiritualidade, além, claro, de seus valores morais e individuais. Muitas religiões têm narrativas, símbolos, tradições e histórias sagradas que foram criadas e adaptadas para dar sentido à vida ou explicar a eterna dúvida dos terráqueos: qual é o significado da vida.
A religião muitas vezes é usada como sinônimo de fé, mas elas se diferem. Fé é algo universal. Nós temos fé independente de religião, pois faz todo o sentido ter fé, que seja em Deus, no Sol, em Buda ou em si próprio. A diferença é que, na maioria das religiões, seus comportamentos organizados incluem hierarquias clericais, algo que define a adesão ou filiação dos seus seguidores. Além disso, a maioria das religiões seguem mandamentos de escrituras sagradas que quase sempre são acompanhadas de um Deus, sacrifícios, festivais, iniciações, serviços matrimoniais e funerários, meditação, arte, dança e, principalmente, as religiões têm suas próprias expressões musicais.
A música, do grego musiké téchne, é uma forma de arte que se constitui na combinação de vários sons e ritmos, seguindo uma pré-organização que foi evoluindo ao longo do tempo.
Música é o principal combustível desse podcast. E não apenas o Clube, mas diversos autores, consideram a música a principal prática cultural humana. Não se conhece nenhuma civilização que não possua manifestações musicais próprias. Embora nem sempre seja feita com esse objetivo, a música pode ser muito mais simples do que isso e é considerada por muitos como a principal forma de expressão artística da humanidade.
A criação, a performance, o significado e até mesmo a definição de música variam de acordo com a cultura e o contexto social. Há evidências de que a música é conhecida e praticada desde a pré-história. E, se você acredita em teorias evolutivas, assim como eu, talvez concorde que provavelmente a observação dos sons da natureza tenha despertado no homem a necessidade, ou a vontade, de criar uma atividade baseada na organização dos sons.
Embora nenhum critério científico permita estabelecer seu desenvolvimento de forma precisa, eu ousei contar a história da música no episódio extra 1 do Clube, que você poderá conferir posteriormente, mas desde já aviso: a história da música se confunde com a própria história da humanidade.
Definido e explicado o que nós entendemos como o significado e o propósito da religião e da música também, com respeito e sem ser muito vago, vamos tentar misturar esses dois termos…
Assim, chegamos ao óbvio: o nome dessa junção é “Música religiosa”, ou “Música litúrgica”, o estilo de música executado ou criado para fins religiosos. Seria justo dizer que ela é o oposto de música profana ou secular. E a música religiosa varia sua forma e seu propósito de acordo com cada religião.
Não existem dúvidas, pelo menos não para mim, de que a música cristã é a mais popular entre as religiões. Cristãos, são os que creem em jesus Cristo de Nazaré. Existem registros da música cristã desde os primórdios. Alguns poucos fragmentos da Bíblia, do Novo Testamento, citam que provavelmente eram hinos que Jesus Cristo e seus discípulos cantavam nessa época.
Durante a Idade Média, criou-se o conceito de música sacra, para poder também distinguir da música do povo, e este é provavelmente o núcleo principal da tradição musical cristã, de onde também se originou a música bizantina, usada pela Igreja Ortodoxa e desenvolvida desde o século III. O Cristianismo é rico em diversidade musical sacra, e o canto gregoriano é, com certeza, uma das mais belas e tradicionais expressões musicais cristãs.
Vamos dar um salto histórico e lembrar de quando a música cristã chegou ao Brasil. Não sei se você sabe, mas foi a viola caipira que embalou as primeiras cantigas religiosas aqui do nosso “Brasilzão”.
Primeiro chegaram os portugueses, depois os espanhóis e ambos traziam um instrumento que era a evolução do Alaúde, considerado o primeiro instrumento de cordas, o avô da guitarra elétrica.
Foi na Europa que o Alaúde inspirou o surgimento de outras linhas distintas de instrumentos musicais. Os clássicos (violinos, cellos e violas) e por outro lado as guitarras, que na Espanha foi chamada de vihuela e em Portugal de viola, ambos com sua caixa acústica em formato de 8 para facilitar o descanso do instrumento na perna do músico. A viola era o instrumento preferido dos colonizadores europeus.
A viola ficou realmente popular por volta de 1920, quando surgiram as duplas caipiras e suas modas de viola. Hoje chamamos de música raiz. Porém, inicialmente, as violas eram tocadas apenas em encontros religiosos e, ao embalo de seus acordes, sugiram as primeiras cantigas religiosas brasileiras. O Hinário Salmos e Hinos é o mais antigo registro musical cristão brasileiro e foi registrado oficialmente em 1861. Uma obra que contava com 50 músicas, sendo 18 salmos e 32 hinos, que são cantados até hoje.
Outro estilo de música cristã tocada em violas e violões, que se mantém vivo até os dias atuais, é a famosa folia de reis, ou Festa de Santos Reis. Não chega a ser um estilo, mas é uma manifestação folclórica católica que celebra a Adoração dos Magos durante o nascimento de Jesus Cristo.
Cristãos, comemoram muitas datas, principalmente as destacadas no calendário bíblico. E uma das maiores, senão a maior reverência, envolve música e o Natal, que com certeza simboliza o ápice da fé dos cristãos. E o repertório musical interno é imenso. Mas, é curioso que uma versão dos Beatles, gravada pela cantora Simone, hoje em dia seja a principal referência musical do Natal dos brasileiros.
E, detalhe, essa canção originalmente foi composta por John Lennon, que já foi o meu beatle preferido. E a grande curiosidade, talvez, seja o fato de Lennon ter sido taxado pela igreja como anticristo quando, no auge da beatlemania, deu um depoimento irônico dizendo que “Os Beatles eram mais famosos que Jesus Cristo”. Lennon aparentemente levou essa mágoa consigo e em 1970 escreveu “God”, dizendo na letra que não acreditava na Bíblia, nem em Jesus, apenas nele mesmo e na sua esposa, Yoko Ono.
Daqui a pouquinho falaremos mais sobre música cristã. Mas antes vamos evidenciar também outras religiões.
O Judaísmo, por exemplo, é, por sua vez, uma das principais religiões abraâmicas e define não apenas a religião em si, mas a filosofia e o modo de vida do povo judeu. O judaísmo é a religião dos descendentes de Jacó, que é um neto de Abraão. A música mais antiga das sinagogas foi baseada no mesmo sistema musical do templo de Jerusalém. A música dos judeus surgiu na Espanha medieval, com os cancioneros da corte real, e sofreu diversas influências externas de música popular.
Já a música islâmica recebeu influências da música erudita da Arábia, da Pérsia e da Índia. E segue certos princípios definidos pelo Alcorão: devem sempre ser cantadas em árabe e sem acompanhamentos de qualquer instrumento musical que não sejam os de percussão.
Depois temos o hinduísmo que representa mais de 80% da população na Índia e no Nepal e, por lá, as canções religiosas são mais ou menos nessa pegada aqui, ó:
Temos também o que é chamado de “religião tradicional chinesa”, um termo usado para descrever uma complexa interação entre as diferentes religiões e tradições filosóficas praticadas na China:
Temos também o budismo, que é a principal doutrina em vários países do sudeste asiático, como Camboja, Tailândia e Japão:
Acredito que para muitos de nós essas músicas religiosas nos soem pouco familiar, distantes da nossa realidade. Claro, porque somos um país cristão. Porém, vale lembrar que todas as religiões têm suas próprias manifestações musicais e esse episódio ficaria enorme se citássemos todas. E essa globalização que envolve música e religião é valorosa, mas precisamos mais uma vez e, sempre que for necessário, lembrar a escravidão e os prejuízos causados aos negros. Como todos sabemos, no mundo todo houve expressões musicais religiosas. Na África não era diferente. Os nativos expressavam sua fé através dos tambores. Porém, a partir da colonização das Américas, quando negros foram escravizados e obrigados a trabalhar para brancos, não só suas tradições foram massacradas, mas principalmente suas crenças religiosas e musicais. Isso, no futuro, fez surgir uma subcultura, o estilo de vida negra, que era expressada nas intermináveis jornadas de trabalho nos campos de algodão.
Nessa época, nos Estados Unidos, um grupo de negros se organizou e fez um protesto, uma marcha pela liberdade. Como punição exemplar, dezenas de negros foram enforcados em praça pública e leis mais severas foram criadas, proibindo os negros de praticamente todas as atividades sociais, principalmente tocar os seus tambores, pois alguns brancos acreditavam que era uma espécie de código de comunicação entre eles. A única atividade permitida aos negros era ir à igreja e rezar pelo Deus cristão dos brancos. Para isso, brancos e negros não poderiam frequentar a mesma igreja e, sem seus tambores, passaram a cantar.
Com o passar dos anos, os negros conquistaram o direito de tocar alguns instrumentos exclusivos dos brancos, como a guitarra acústica, a gaita e o piano, por exemplo, usados geralmente na música country. Com o fim da escravidão nos Estados Unidos, que aconteceu em 1863, negros puderam se expressar musicalmente de forma livre, e o local preferido para isso eram as igrejas. Logo, negros da América Central trouxeram de volta os tambores caribenhos. Daí, meu irmão, aconteceu a maior revolução musical que fez surgir a música moderna como a conhecemos hoje. E tem tudo a ver com religião, pois essa mistura de lamentos pós escravidão, instrumentos harmônicos, instrumentos proibidos e tambores latinos forjou o nascimento da música gospel, além, claro, do jazz e do blues.
Essa história entre os negros e a cultura é demais, e nos provoca a analisar que, quando uma expressão cultural é interrompida bruscamente, inevitavelmente a arte dá o seu jeito. Assim como a natureza, sempre se adapta e floresce de outras formas.
A música negra era tão envolvente que, nos anos 30, os brancos, influenciados por ela, adaptaram e promoveram as big bands e os grupos de jazz. Jazz pode até lhe soar sofisticado e elitista hoje em dia, mas o termo era pejorativo e definia música de negro, no caso, música de menor valor.
Nas igrejas americanas, a música gospel tocada pelos negros, acabou se tornando uma atração à parte e atraía até brancos para os cultos que eram segregados.
Em inglês, gospel deriva de God-spell, uma variação de good-spell, que significa “Boa nova” ou “Boas notícias”, em alusão ao Evangelho que narra as boas vindas de Cristo ao mundo.
Ainda que o termo “Música Gospel” possa abranger um campo da música muito vasto, sua origem é a música cristã negra dos Estados Unidos. Isso é indiscutível.
O fato é que a música gospel embalou o R&B, o rock’n roll, a soul music e todos os estilos negros. E, novamente, foram sacaneados por brancos quando houve a grande expansão da indústria fonográfica, principalmente através do rock’n roll, cujo maior representante comercial era um branco, com gingado e voz de negro, o rei do rock: Elvis Presley.
Mas vale lembrar também que Elvis, apesar de branco, teve uma infância paupérrima e cresceu frequentando as igrejas negras recheadas de música gospel. A devoção cristã do rei era tamanha, que ele chegou a contrariar sua gravadora e, no auge do seu sucesso, gravou uma música religiosa.
Nos anos 60 as músicas religiosas dos americanos eram tradicionais e conservadoras, pra não dizer um tanto quanto chatas. Tanto os hinos dos brancos quanto a música gospel dos negros estavam naquele mesmo marasmo. E vale lembrar que a década de 60 é manchada por racismo e movimentos pelos direitos civis. Foi nesse clima que surgiu o Jesus Movement, um movimento cristão originado na Costa Oeste dos Estados Unidos no final dos anos 60, em resposta ao movimento hippie, tendo como objetivo espalhar o Evangelho para a juventude de sua época, através de músicas com elementos mais conhecidos do público-alvo, no caso, dos jovens. Vocês entenderam? A grande maioria dos jovens queria abandonar as igrejas e seguir o estilo de vida paz e amor dos hippies, que era bem controverso para os padrões da época. Então, um grupo jovem cristão criou o primeiro movimento exclusivamente descolado, claro, para atrair os jovens de volta para a igreja.
O Jesus Movement converteu músicos jovens e introduziu letras com temas cristãos em músicas de estilo mais popular, coisas que estavam sendo potencializadas pela contracultura dos anos 60 como o folk, o rock e a soul music. Assim, cantores e compositores como Larry Norman e Barry McGuire se tornaram os pioneiros do que acabou conhecido como a Jesus Music, que é a precursora da música cristã contemporânea.
Durante grande parte da década de 1970, esta nova forma de música religiosa foi desprezada pela mídia secular, bem como pela própria igreja, onde os defensores das formas tradicionais de louvor e adoração cristã faziam forte oposição ao estilo jovem. Em outras palavras, a música jovem cristã ainda era muito precoce e acabou considerada uma forma inferior de louvor e, como sempre faziam com tudo o que lhes era considerado estranho ou inovador, os religiosos conservadores acabaram depreciando o Jesus Movement e até chamavam de música do diabo.
E por falar nele… Lúcifer, o anjo de luz, precisamos lembrar que o figura é considerado além de demônio, também, o maior músico de todos os tempos, apesar de isso estar subentendido na Bíblia, que na verdade se refere aos sons de pífaro que saíam de dentro de Lúcifer quando ele foi criado. E se subentende que isso era para louvar a Deus, já que Lúcifer era um dos mais belos anjos de Deus e alguns teólogos o citam como o regente do coro celestial.
Lúcifer se tornou satanás ou, como preferir, o capeta, a besta, satã, “capiroto” e por aí vai. Dizem que o tinhoso andou fazendo pacto com músicos. E um desses mais famosos pactos aconteceu com Robert Johnson, um jovem negro de 27 anos que vendeu sua alma em troca de se tornar um famoso bluesman. Essa é uma história tão legal, mas tão legal, que eu nem me atrevo a contá-la… não hoje.
Deus e o diabo foram fonte de muita inspiração artística. É um clássico e na música não foi diferente. Durante os anos 50 e 60, nos Estados Unidos, claro, outro estilo musical foi taxado de demoníaco: o rock’n roll. Acontece que o tal do Elvis Presley, que dançava e cantava como os negros, “sexualizou” o ritmo. E sexo, vocês sabem, né? É coisa do “capiroto” também. E o rock já tinha naturalmente uma aura transgressora. Junte isso a uma época conservadora e temos o rock, a nova música do devil.
No Brasil quem protagonizou esse tema polêmico com muita ironia foi Raul Seixas que, ao ser chamado de pai do rock brasileiro, disse que não. “O diabo é o pai do rock e foi ele mesmo que me deu o toque”.
Vocês entenderam? A religião foi tão importante para o desenvolvimento dos novos estilos musicais contemporâneos, que até o maior inimigo de Deus, o Belzebu, influenciou novos estilos. E isso aconteceu quando a tal da música satânica passou a ser assumida como um estilo comercial pelas bandas de rock. O Black Sabbath foi pioneiro e no início dos anos 70 lançou o estilo “rock aterrorizante”.
Para o Sabbath, o termo banda satânica, fazia parte do marketing e, depois deles, outras bandas e estilos demoníacos começaram a surgir como o trash metal, o death metal, o black metal e tantos outros por aí… Aliás, essa história de misturar seitas satânicas com rock metal virou um troço serio, inclusive gerou uma disputa “quem era a banda mais satânica”. E esse título sem dúvida é da banda norueguesa Mayhem, que ganhou grande repercussão pelo mundo após muitos acontecimentos polêmicos. Eles não eram apenas adoradores do capeta. Em suas performances ao vivo levavam ao público sexo e violência explícita. O vocalista chegou a se suicidar e o guitarrista foi assassinado a facadas por um outro integrante da banda. Entenderam por que o Mayhem é a banda mais satanista de todos os tempos?
Eu acho que daria pra fazer um episódio extra inteiro só com bandas satanistas, pois as histórias são arrepiantes, mas no nosso contexto de música e religião tem uma outra revolução, tão significante quanto a que os Beatles fizeram. E foi feita pela música religiosa ou, se preferir, música cristã contemporânea. Aqui no Brasil ficou mais conhecida como a música Gospel, termo com o qual se popularizou. O movimento teve início de forma modesta nos anos 70, influenciados, claro, pelo Jesus Movement. E no Brasil não foi diferente. Apesar de conseguir atrair os jovens, os pregadores da época eram muito céticos quanto a certas inovações e, em algumas congregações, aquilo também era música do diabo, mesmo com letras que defendiam o cristianismo. Então pintou aqui em terras brasileiras um pastor americano. O nome dele era James Kemp, e formou alguns grupos de música cristã jovem, naquela pegada de músicas dos anos 60. E uma das bandas pioneiras é o Vencedores Por Cristo.
Na década de 1980, os produtores de música gospel começaram a se organizar nos meios de produção e até criaram estúdios de gravação exclusivamente protestantes. Assim, a música cristã começou a se profissionalizar, surgindo os primeiros engenheiros de som, produtores musicais e músicos de bandas voltados exclusivamente para a música gospel.
É nessa época que surge a primeira gravadora de rock cristão. E, na ocasião, a principal banda de pop rock cristão era o Catedral, que logo se tornou um grande sucesso, sendo os primeiros com vendagens de CDs parecidas com as bandas do mercado secular.
Mas foi somente nos anos 90 que a música jovem cristã estourou com os discos gospel produzidos pelas comunidades evangélicas. Foi quando surgiram os primeiros sucessos internacionais na música gospel brasileira, emissoras de rádio dedicadas, e os grandes ajuntamentos em eventos exclusivos de adoração. O rock cristão tomou forma com bandas como Resgate, Katsbarnea, Catedral, Fruto Sagrado e talvez a principal de todas essas seja o Oficina G3.
Os metaleiros de Jesus mostraram sua cara ao público e nunca antes imaginávamos que ele seriam capazes de tamanha revolução sonora. As turnês internacionais de cantores e ministérios se tornaram frequentes: tanto os brasileiros iam ao exterior, como os estrangeiros começaram a vir visitar o nosso país. Eu me lembro exatamente do dia em que deixei de comprar dois discos de rock clássicos para comprar o CD “Indiferença”, do Oficina G3, e o “On The Rock”, dos também roqueiros do “Resgate”. No futuro eu conheci e fiquei amigo do Paulo Anhaia, que foi o produtor desses dois discos, e posso afirmar com toda a tranquilidade: são discos religiosos que influenciaram o meu modo de trabalhar com a música. Eu não cheguei a me converter, mas, assim como muitos outros músicos, passei a frequentar igrejas evangélicas somente por causa da música.
“Só quem me conheceu doente vê como estou melhor.” Quem disse essa frase, foi o vocalista da minha banda brasileira preferida na época, o Rodolfo Abrantes, logo após sair do Raimundos para uma mudança radical de vida. Esse som é o “Rodox”, um trabalho que inicialmente iria apenas quitar seus compromissos com a gravadora, mas que também acabou abrindo as portas para a carreira de pregador do Rodolfo, que também fez muito sucesso no mercado evangélico, onde engana-se quem pensa que ficou limitado apenas ao rock…
Samba, rap, funk, reggae, sertanejo… Não existiam mais limites para o mercado gospel. Tudo era adaptado e os megassucessos dos anos 2000 me fizeram deixar de lado o estilo gospel. Nessa época, a megaestrutura já estava consolidada e lançamentos como Aline Barros, Damares e Diante do Trono fizeram o mercado de música cristã se tornar tão rentável financeiramente quanto o mercado secular. E quem pensa que só entre os evangélicos essa revolução aconteceu se engana, pois o maior fenômeno de vendas religiosas do Brasil é católico, e é um Padre. O nome dele é Marcelo Rossi. Ele arrasta multidões por onde passa e é considerado o maior artista cristão da América Latina, ostentando mais de 11 milhões de CDs vendidos ao longo de sua carreira.
Na mesma linha de sucessão do padre Marcelo Rossi vem também o padre Fabio de Melo, outro fenômeno de vendas. Mas quem pensa que a música católica não investiu nos estilos populares se engana. Existem dezenas de grupos bem-sucedidos e o meu favorito é o Rosa de Saron, com quem até já cheguei a fazer alguns trabalhos.
E inevitável, né, cara? Muito falamos sobre bandas católicas e evangélicas, mas isso se deve ao enorme sucesso comercial que esses cantores, bandas, padres e pastores alcançaram. Desprezar a fatia do mercado artístico religioso é um grande erro. Esse espaço foi conquistado e está enraizado. Com isso, eventos segregados ao contrário também começaram acontecer. Hoje é comum que o mesmo manifesto que era discriminado antigamente, discrimine em nome da fé.
No episódio 23 do clube, durante a temporada das minas, eu falei sobre a música “Like a Prayer”, onde Madonna, já como uma mega-artista pop dos anos 80, lançou essa canção e causou a ira do vaticano, a ponto de eles promoverem boicotes aos patrocinadores de Madonna.
A religião sem dúvidas faz o bem, mas existe uma linha tênue que coloca fanáticos religiosos sempre a um passo do erro. Aqui no Clube nós somos fanáticos, mas é por músicas, e as histórias por trás delas deixam a canção em si ainda mais saborosa. Por isso, Cocão e eu fizemos uma lista de algumas músicas cuja inspiração foi a fé, independente de religião. Talvez você nem saiba, mas vamos falar um pouquinho sobre elas aqui:
O Tim Maia, sem sobra de dúvidas, foi o músico que mais exagerou em tudo, né? Até no quesito da fé. Quando ele se converteu ao livro “O Universo em Desencanto”, Tião largou as drogas, a bebida, abandonou a vida de boêmio alucinado, despediu todos os músicos que se negaram a seguir a mesma religião que ele e passou a vestir somente branco, tornando-se vegetariano e logo depois compondo dois discos sensacionais: “Racional”, volume 1 e volume 2. Isso foi em 1973. Como a sua gravadora não quis lançar um trabalho de cunho religioso, Tim Maia rompeu o contrato e montou a primeira gravadora independente do Brasil, lançou seus dois discos, não conseguiu reverter aquilo em vendas e, após 6 meses, desiludido com a vida de devoto religioso, Tim Maia destruiu o restante dos discos do “Racional” e voltou com a vida de boêmio alucinado. Os Discos da fase “Racional’ hoje se tornaram obras valiosas e de reconhecida qualidade musical, sendo considerados por muitos a melhor fase do Tim Maia.
Esse é um dos riffs mais empolgantes da música mundial e também foi influenciado por Deus. Lenny Kravitz, quando compôs “Are You Gonna Go My Way”, cantou sobre o criador. Ele afirma que a música lhe veio como um lampejo de inspiração, e começou a rabiscar a letra que, ao fim, refletia a sua fé. Esse momento foi tão significante para Kravitz que ele fez uma tatuagem nas costas com os dizeres “Meu coração pertence a Jesus” e desde então declara que Jesus Cristo é “a maior estrela do rock”.
“Turn Turn Turn”, o hit de 1965 do grupo americano The Byrds, é baseado quase textualmente no capítulo três do Livro de Eclesiastes da Bíblia, no qual o rei Salomão contempla o sentido da vida, Deus e a eternidade.
Foi “provavelmente a única vez em que uma música saída diretamente da Bíblia chegou ao primeiro lugar nas paradas”. Quem disse posteriormente foi o baixista Chris Hillman, um dos compositores dessa canção, que na época não era religioso quando escreveu a canção. Na verdade, ele disse que tentava ser “irônico”, mas, depois que se converteu ao cristianismo tudo passou a fazer sentido para ele.
“Redemption Song” é o canto do cisne de Bob Marley. O jamaicano em sua letras sempre reverenciou sua religião, o Rastafári, e defendeu o uso da maconha, uma erva sagrada para os rasta e responsável pela libertação da mente. Mas em 1979 quando descobriu um câncer em nível avançado, Bob negou os mandamentos Rastafári para tentar a cura se submetendo a tratamentos dolorosos que não deram resultado. “Redemption Song” é sua última canção composta, gravada e executada ao vivo e diz respeito a redenção da alma e sobre aceitar a vontade de Jah.
Johnny Cash era um músico famoso por seus abusos com drogas e álcool e narra que compôs “He turned the water into wine” durante uma turnê que ele fez por Israel, juntamente com sua esposa June Carter, em 1968. Naquela viagem eles foram até Caná e passaram em uma pequena igreja com uma cisterna com água, lugar onde Jesus teria transformado água em vinho, como descrito no livro do apóstolo João. Johnny Cash conta que o barulho da água e o sentimento bom por estar naquele lugar o inspiraram como raramente acontecia, e na volta para a cidade de Tiberíades ele compôs “He Turned the Water into Wine”.
A controversa e polêmica “Sympathy for the Devil”, que na tradução literal significa simpatia pelo diabo, foi composta por Mick Jagger, que alegou ser apenas mais uma canção folk, inspirada em Bob Dylan. Porém, segundo fontes, a canção teria sido inspirada em uma visita de Jagger a um centro de candomblé na Bahia. Keith Richards sugeriu o ritmo e os tambores, numa fracassada tentativa de samba, que acabou ficando até engraçada. A canção virou filme no Reino Unido e motivou várias acusações de satanismo direcionadas aos integrantes da banda.
E, para encerrar, a minha preferida, “My Sweet Lord”. Este foi o primeiro single de George Harrison como artista solo, e foi o seu maior sucesso. A música fala sobre as religiões orientais que ele estava estudando na década de 60. Harrison repete na letra parte de um mantra hindu quando canta: “Hare Krishna … Krishna, Krishna”. Esse mantra faz parte de um canto, que atua como um chamado ao Senhor Deus. Harrison posteriormente credenciou “My Sweet Lord” como um chamado cristão à fé, principalmente quando cantou “Aleluia” – ele estava simplesmente apontando que “Aleluia e Hare Krishna são exatamente a mesma coisa”.
E é assim, com a minha canção de fé preferida, do meu beatle preferido, que vamos chegando ao fim de mais um episódio extra do Clube da Música Autoral.
Antes de finalizar, não podemos deixar de agradecer aos ilustres sócios diretores do Clube: Henrique Vieira Lima, Caio Camasso, Emerson Silva Castro, Antônio Valmir Salgado Junior, Dilson Correa Lima, Mateus Godoy, João Jr. Vasconcelos Santos, Luiz Machado, Lucas Valente, Camilla Spinola e Tiemi Yamashita. Eles e elas são mais que sócios, são diretores do Clube e nos ajudam muito a manter viva essa missão de levar música e boas histórias até vocês.
Se você quiser ser um sócio oficial do Clube, é só acessar o nosso site clubedamusicaautoral.com.br/assine e entender quais as vantagens que você recebe em troca do seu apoio.
E aí? Esqueci muitas músicas religiosas, não? Faltaram estilos e religiões? É, tô ligado… Então, bora deixar um comentário nas redes sociais e me ajudar a melhorar o nosso enredo. Mais uma vez deixo um abraço aos ouvintes e lembro que a edição do Clube Autoral é do Cocão, o Rogério Silva, e a produção é minha, Gilson de Lazari. Foi um prazer falar de música com vocês e até a próxima.
Que surpresa boa e inesperada, mais um ep. extra!
Nunca canso de dizer que todo mundo gosta de ouvir uma boa história e quando boas histórias encontram boa música o que pode dar errado?
Depois que li Neil Gaiman o podcast sempre me remete à Anansi, que faz exatamente essa mesma mistura.
Fazendo justiça, Kwaku Ananse é originalmente um personagem da mitologia africana, não é criação de Neil Gaiman.
Excelente trabalho.
Um abraço
Excelente episódio, junto a minha forma de arte preferida, a música, com um dos assuntos que eu mais gosto de estudar, a religião no geral.