Para encerrarmos a sexta temporada do Clube com chave de ouro, nada mais justo do que prestarmos a nossa homenagem a Rainha do Rock Brasileiro, RITA LEE! E nesse episódio, iremos analisar uma das canções mais sensuais da história da música brasileira… “Mania de Você”.

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“Rita Lee Jones”.
Dentre suas contribuições para a sociedade brasileira, talvez a principal delas, seja o simbolismo da mulher porreta, que tomou as rédeas do prazer para si, numa época em que o sexo era sempre cantado do ponto de vista masculino.

Rita Lee venceu o sistema e chocou a sociedade ao mesmo tempo. Mas nada disso seria possível sem Roberto de Carvalho, afinal, por trás de toda mulher bem sucedida, existe um homem maravilhoso segurando a onda. Não… é… eu sei… esse ditado não é bem assim, mas, quem ficar comigo até o final, vai entender que a regra não se aplica quando o assunto é Rita Lee.

E antes de irmos ao assunto, lembro que esse episódio, é a continuação do episódio 25 da quinta temporada, onde contamos o começo da história de Rita Lee e falamos sobre a canção “Ovelha Negra”, que é a sua música de assinatura.  Se quiser, você pode ler/ouvir aquele primeiro, ou não, se quiser pode continuar nesse aqui de boa e depois ouve/lê aquele, que vai dar certo também.

A partir de agora, com respeito e sem ser vago, vamos voltar a fita não só para falar de Rita, mas também para falar sobre Roberto de Carvalho.

 

O ano é 1975 e estamos ouvindo “Bandido Corazon” interpretada por “Ney Matogrosso”, uma canção composta por Rita Lee especialmente para o segundo disco do amigo, que estava em busca de uma nova proposta artística.

Por algum motivo, Rita, apresentou essa música com um arranjo de bolero que lembrava aquela mistureba dos tempos áureos com os Mutantes.

Ney levou a música para sua gravadora a fim de rearranja-la e Bandido Corazon ganhou um novo arranjo com elementos caribenhos e um toque de Santana que ficou excelente, diferenciando tudo o que Ney havia feito até então e ajudando a compor sua nova imagem.

LP Bandido – 1976

Precisamos lembrar, que Ney, havia recentemente saído do “Secos & Molhados”, e seu primeiro álbum solo, tinha sofrido críticas negativas e taxado de extravagante demais.

Foi nessa fase, durante a gravação do segundo álbum que Ney e Rita combinaram um jantar na casa dela.

Rita adorou o novo arranjo e não só ela, aquela música, viria se tornar um estrondoso sucesso e prevendo isso, a gravadora resolveu batizar o disco com o mesmo nome: “Bandido”.

O que poucos sabem é que em particular, Rita elogiou muito a linha de guitarra da canção e Ney a apresentou ao guitarrista que havia arranjado Bandido Corazon e lhe contaram que era um carioca chamado “Zezé”. Ney conta que rolou uma química entre eles, tanto que ao notar os dois sentados ao piano, ele saiu de fininho deixando os pombinhos a sós.

Ney Matogrosso e Rita

Em seu livro auto biográfico, Rita trata os detalhes desse primeiro encontro de forma muito espirituosa…

“Ney fez chegar até mim o pedido de uma música para seu próximo disco. Mandei uma K7 com Bandido Corazón.

Quando recebi uma cópia com a gravação, adorei o resultado final e quis saber de quem era aquela guitarra bacana que pontuava a música.

Alguém respondeu: “é do Zezé, o guitarrista da banda do Ney”.

Rita segue contando, que ficou tão empolgada, que resolveu ir ao show de Ney no Rio, mas caiu uma tempestade, acabou a luz e o show foi cancelado. Então, ela decide entrar no barzinho mais próximo, foi quando deu de cara com um moreno lindo sentado tomando cerveja.

“Apesar de odiar cerveja, valia a pena pedir umazinha para fingir que tínhamos algo em comum”. Disse Rita.

Mas a paquera não evoluiu e o máximo que conseguiu descobrir com o barman, foi o nome do bonitão: “Roberto”.

Algum tempo depois, já em São Paulo, Rita teve uma nova chance de assistir o show de Ney e quem ela avista no palco? Roberto, o bonitão, tocando guitarra no lugar do Zezé.

Rita conta, que após o show, entrou no camarim pronta para sequestrar o bonitão, mas se deparou com uma cena broxante: sentada no colo dele, estava uma go-go girl gostosona seminua, dando-lhe beijinhos e carinhos sem ter fim.

Ela desistiu, claro, e foi cumprimentar Ney, que estava removendo a maquiagem. Tomando a dianteira, ele apresentou os dois: “Rita, este é Zezé. Aquela guitarra que você gostou em Bandido Corazón é dele”.

Então, Rita descobriu que Zezé e Roberto, eram a mesma pessoa e imediatamente, convidou Ney e toda banda para jantarem em sua casa no dia seguinte. Ney sacou a indireta e combinou de comparecer acompanhado apenas do moço em questão.

Rita morava ao lado do Parque Ibirapuera, a 100m de onde “Vladimir Herzog” havia sido assassinado.

Ela conta que ralou o dia todo, faxinando e arrumando a casa, para impressionar os convidados.

“Logo que entraram, Roberto (ou Zezé), tirou o sapato e suas meias vermelhas com filetes dourados chamou minha atenção.

– Adorei suas meias! E disse que faria show com elas.

Imediatamente, ele as descalça, dá um beijo nas meias e diz: “Não por isso, agora são suas. Não tenho chulé”.

Rita que já estava encantada com o boy, pergunta se queriam uma cervejinha e a resposta de Roberto foi na mosca: “Odeio cerveja. Finjo que tomo quando quero bancar o fodão”.

“Era ele”! Comentou Rita.
“O gato, além de lindo, cheiroso e excelente guitarrista, também se mostrava um exímio pianista. Foi Amor à primeira tecla”.

Vamos ouvir o próprio Roberto falando sobre esse encontro…

Roberto e Rita

Roberto Zenóbio Affonso de Carvalho, nasceu no dia 16 de novembro de 1952. Ele é filho de pai engenheiro e mãe pianista. Seu envolvimento com a música, se deu ainda na infância, por influência da mãe. Aos 3 anos de idade, o pequenino Roberto já escalava a banqueta do piano para imitar sua mãe e até conseguia reproduzir melodias complexas.

Devido ao talento nato, seus pais o inscreveram no Conservatório de Música do Rio de Janeiro, onde se formou pianista clássico, porém, a música, sempre foi tratada como um talento a parte. Rita conta que Roberto foi criado para ser um diplomata, seguindo a saga da família, tanto que, se formou em direito pela PUC.

Mas havia algo premeditado ali e Roberto, começou a preferir a companhia de amigos não tão bem-educados, frequentadores do bas fond carioca, celeiro de músicos e pessoas influentes da noite carioca.

Em certo ponto, Roberto precisou escolher se seguia como diplomata, conforme a vontade da família, ou se mergulhava de vez na vida dura de músico, porém, livre das regras rígidas de uma rotina ordeira. Resumindo, a música venceu!

Rita conta, que Roberto tocava em barzinhos, dava canjas em shows e eventos, ensaiava com uma nova banda só de meninas, “As Frenéticas”. E fez parte das turmas de Jorge Mautner, João Ricardo e Ney Matogrosso.

Foram os Beatles e os Rolling Stones que despertaram a paixão de Roberto pela guitarra elétrica, então, o jovem, passou a ser disputado por bandas e artistas, pois, além de executar um piano com excelência, também tocava sua guitarra de um jeito único.

Zezé (Roberto)

Em 1975, Zezé, como era conhecido entre os músicos cariocas, estava acompanhando Ney Matogrosso nos shows ao vivo, quando foi convidado para participar dos arranjos de Bandido Corazón, fato que foi determinante para seu encontro com Rita Lee.

Roberto é 12 anos mais novo que ela, mas isso nunca foi problema para o casal, já que Rita fazia questão de manter o espirito jovial, porém, no início, uma notícia inesperada abalou o relacionamento. Juntos, mas separados geograficamente, Roberto continuou acompanhando Ney Matogrosso e Rita seguiu se apresentando com a sensacional banda “Tutti Frutti”. O casal só se encontrava nas folgas, mas mantinha o papo em dia pelo telefone.

Rita conta, que entrou em uma fase inédita na sua vida e percebeu que não precisava de nenhuma droga “extra” para se sentir viva e confortável dentro de si mesma. Aquele relacionamento, fez ela se sentir plena e logo no segundo mês seguido que sua menstruação não veio, caiu a ficha: Rita estava grávida. E o exame de sangue confirmou.

Rita, que carinhosamente chama Roberto de “Rob”, narrou o quão difícil foi ligar para ele e dar essa notícia.

“Boa noite, telefonista, por favor, pode transferir a ligação para o quarto do Sr. Roberto de Carvalho?”.

Ele atendeu todo animado; havia acabado de chegar do show com Ney e foi logo perguntando como foi o show com o Tutti Frutti.

Rita ficou em silêncio. Ela estava sem coragem de falar, então, cantou “Daddy You’re a FUL to Cry” dos Rolling Stones e esperou na linha sem saber se ele havia entendido a sutileza da mensagem. Roberto simplesmente respondeu: “Bacana. Vou tomar uma chuveirada. A gente se fala depois”. E desligou o telefone.

Rita pensou: “Tudo bem, serei uma mãe solteira bonitinha”.

Todos os casais, em especial as mulheres, que um dia se descobriram grávidas, compartilharam de um mesmo sentimento, o medo do desconhecido e da responsabilidade que é gerar uma vida. Com Rita e Roberto não foi diferente.

Mas o clima de tensão durou pouco tempo. Eles se encontraram pessoalmente de uma forma cinematográfica durante um show dos “Doces Bárbaros”. Roberto se aproximou, pegou na mão de Rita e ali, na plateia, decidiram que enfrentariam todos os desafios juntos.

Por acaso, esse era o show em que os Doces Bárbaros: Gil, Caetano, Gal e Bethânia, apresentaram para Rita a música “Quando”, feita em sua homenagem.

Os Doces Bárbaros (1976)

Vocês sabem que Rita foi vítima de traição com Os Mutantes, né? Eu falo sobre isso no episódio “Ovelha Negra”. E com o Tutti Frutti, as coisas estavam indo para o mesmo caminho.

Roberto aceitou a gravidez de Rita, mas com o Tutti Frutti foi tenso. Primeiro, eles tentaram convence-la a abortar, e tinham até uma clínica ilegal a disposição. Rita negou! Depois, apresentaram a estratégia de forjar que o pai seria um dos integrantes e plantariam a notícia na mídia como uma jogada de marketing. Rita, novamente negou!

O Tutti Frutti era, sonoramente, a banda mais Rock n’ Roll da pauliceia. Aqueles anos 70 foram mágicos, em especial, na pompéia. E o Tutti Frutti, em parceria com Rita, já haviam lançado dois discos: “Atrás do Porto Tem uma Cidade” de 1974 e o icônico, “Fruto Proibido” de 1975, que é um marco para o Rock Brasileiro. Então, nem preciso falar que Rita estava mais em alta do que um dia já esteve com Os Mutantes.

Rita Lee a banda Tutti Frutti (1976)

Quando ela anunciou a gravidez, estavam prestes a sair em turnê de divulgação com o novo álbum, “Entradas e Bandeiras”. Daí, o clima que já estava ruim, ficou péssimo. Rita ficou super ofendida com as soluções apontadas pelos colegas de banda, principalmente, quando ela revelou que o pai era o guitarrista carioca do Ney Matogrosso. E os caras xenófobos, coroaram o machismo institucionalizado que existia dentro do Tutti Frutti. Claro, eram outros tempos, estamos falando de uma banda formada por descendentes de imigrantes italianos, mas não dá pra passar pano. Nessa, eles foram péssimos!

E foi o início do fim da banda Tutti Frutti, quando Rita decidiu fazer apenas essa temporada de lançamento em São Paulo e depois desfazer a parceria. É até engraçado analisar, que por acaso, a música de trabalho desse disco foi “Corista de Rock”.

Foi nesse turbilhão de ocorrências, que aconteceu algo ainda mais pesado na vida de Rita: a polícia invadiu sua casa pedindo que entregasse a erva.

Rita durante depoimento ao Delegado Carlos

Tudo começou alguns dias antes. Rita recebeu a visita de uma senhora, cujo filho, havia sido morto por um policial em um show dos Mutantes anos atrás. Essa senhora, contou que o filho era muito fã de Rita, que havia sido um dos primeiros a comprar o ingresso para aquele show, mas o policial que o matou, justificava que ele não tinha ingresso e estava tentando invadir o salão.

Rita lembrou, que o show parou imediatamente quando o rapaz foi morto. Ela viu seu corpo caído dentro do salão. A mãe implorou para que Rita fosse ao fórum e desse esse depoimento, pois, seria muito importante para provar que o filho estava dentro do salão e não fora, como a polícia afirmava.

Rita pediu desculpas, inventou compromissos e a senhora foi embora arrasada. Mas estamos falando de Rita Lee, né, amigos!? Está para nascer alguém mais injustiçado que ela nesse tal Rock n’ Roll.

Compadecida com a história, ela decidiu ir ao fórum. Relatou o que viu e ficou aliviada por ter feito a coisa certa. O que Rita não imaginava, era que, em plena ditadura militar, estava se envolvendo no caldeirão coorporativo da polícia militar paulista e como resposta, no dia seguinte, invadiram sua casa.

Ela estava dormindo e acordou com vários policiais perguntando onde estava a erva. Rita brincou, disse que, se eles chegassem 3 meses antes até teria alguma coisa para dividirem, mas como ela estava grávida, havia cortado o uso da erva.

Brotaram policiais revirando a sua casa e segundo Rita, não acharam nada, mesmo assim, a levaram presa. Mas não foram direto para o DEIC; o camburão passou por várias delegacias, exibindo Rita Lee, a cantora de Rock, como se fosse um troféu: “olhem só o que temos aqui, a ovelha negra, que de tanto dar bandeira, acabou entrando”

Rita narra, que ao chegar no DEIC, colocaram ela sentada na frente do delegado e sobre a mesa, havia uma pilha de cannabis já dixavadinha, com alguns cigarros até bolados. O delegado perguntou: “A senhora tem algo a dizer sobre isto aqui, que meus homens encontraram na sua residência”?

Rita ficou desesperada; tentou se defender das acusações, mas foi em vão; a ordem do delegado foi: “Coronel, recolha a moça”.

Poucas horas depois, Rita Lee estava em todas as manchetes – “Grávida e presa”.

Na ala feminina, logo fez amizade com as demais detentas. E da ala dos presos políticos, que era ao lado, surgiu um violão e o pedido que Rita tocasse o seu maior clássico daquela época. E todos os dias, a noite caía ao som de “Ovelha Negra”, com o acompanhamento em coro dos presos e presas do local.

Rita ficou presa por um mês e meio e no pior momento, quando ela estava sentindo cólicas e tendo sangramento, surge um anjo: “Elis Regina”, a maior estrela da Música Popular Brasileira naquele período.

Elis Regina, Roberto de Carvalho e Rita Lee (1980)

Segundo Rita: “aquela que fazia cara feia para os roqueiros, estava lá pra me ajudar”. E detalhe, o delegado não queria deixar Elis ver Rita. Isso só aconteceu, quando a pimentinha ameaçou chamar a imprensa, fato que, fez o delegado mudar o tom da proza.

A ameaça de aborto era real. Elis exigiu a presença de um médico e não arredou o pé de lá, até Rita ser medicada.

Antes que você se pergunte… sim, Roberto também esteve lá, fazendo plantão, acompanhando os advogados e oferecendo apoio. Mas Rita, não quis que ele a visse naquela condição, toda ferrada, pois nutria esperança que ele não a abandonasse e sua vaidade feminina, falou mais alto.

No julgamento, Rita acabou condenada a 1 ano de prisão domiciliar. A casa onde morava, não foi aceita de residência fixa, então, ela teve que voltar para a casa dos pais, que descobriram que ela estava grávida através da imprensa. Não seria fácil, obviamente, Rita estava super-receosa, mas quando chegou na casa dos pais, teve duas surpresas: a primeira, um chá de bebê organizado por eles. E a segunda, Roberto a esperando para formalizar a união do casal.

Rita ao lado de seus pais

Rita estava toda endividada e precisando trabalhar, mas o bom humor, marca registrada na personalidade de Rita, continuava inabalado. Com a ajuda de Roberto, que conseguiu bons advogados, conseguiram autorização para trabalhar, no caso de Rita, isso significava sair da prisão domiciliar para fazer shows. Ao mesmo tempo, Roberto e os advogados, descobriram que a banda e o escritório que cuidava das finanças, estavam passando a perna em Rita, mas ela não tinha tempo para formar uma nova banda.

Segundo ela mesma, o Tutti Frutti percebeu que a retomada pós-prisão seria avassaladora, então, se oferecerão como banda de apoio.

O clima estava péssimo, mas Rita assume parte da culpa, por ser, na época, uma hiponga que nunca deu a devida atenção para as cifras.

Mesmo nesse climão de desconfiança, os shows pós-prisão aconteceram e foram todos sold out. E detalhe, com Roberto de Carvalho tocando com o Tutti Frutti.

Cambistas vendiam ingressos a peso de ouro. Rita foi alçada de vez ao posto de maior estrela do Rock Brasileiro em um show em Ribeirão Preto, na “Cava do Bosque”, quando o público invadiu o palco e arrancou até pedaços da roupa dela, que continuou a se apresentar com um sorrisão no rosto e o barrigão de fora.

Figurino de Rita no show do Ginásio do Palmeiras

O show do Ginásio do Palmeiras, se tornou o maior público de um show de Rita Lee até então.

As dívidas estavam sendo quitadas, mas a volta por cima veio mesmo, quando Rita lançou um EP contendo uma música composta em parceria com Paulo Coelho, chamada: “Arrombou a Festa”; uma brincadeira que deu certo, cujo a letra foi escrita entre gargalhadas, para zoar o pessoal da MPB e segundo Rita, apenas Elis Regina foi poupada.

O compacto duplo seria lançado com a canção “X21” no lado B, que Rita compôs enquanto estava presa, mas foi vetada pela censura, então, “Corista de Rock”, entrou no seu lugar. Arrombou a Festa foi lançada com mais de 250 mil cópias previamente vendidas e coroou a volta por cima da Rainha do Rock Brasileiro, do jeito que ela gosta… com muito deboche!

Eu fiquei curioso sobre essa música censurada, “X21” e pesquisando a respeito, encontrei uma entrevista de Rita ao jornalista “Geraldo Mairink”, onde ele pergunta sobre X21:

“Fiquei amiga das demais presas e da carcereira, que era minha fã, então, fiz essa música, X 21, que até hoje está na Censura. O refrão era mais ou menos assim: “A gente está na mesma, vendo o sol nascer quadrado; vamos fazer uma roda e vamos cantar”.

Mayrink pergunta se Rita tentou tirar a música da Censura e ela responde: “Não. Sempre foi assim. Quando prendem uma música, quando vem aquele X vermelho do começo ao fim, eu não tenho saco de ficar correndo atrás e procurando a imprensa para reclamar. Eu não. Aí o problema é deles”.

Outra canção censurada de Rita Lee, foi “Afrodite”. Mas com as edições feitas, acabou liberada pelos censores e ganhou um novo título: “Banho de Espuma”, que foi lançada em 1980.

Rita fez questão que Roberto de Carvalho entrasse no Tutti Frutti por motivos óbvios, ela precisava de proteção, tanto financeira, quanto emocional, para enfrentar o assédio dos caras. Mas Roberto continuava morando no Rio e sempre que tinha show, pegava o ônibus, vinha para São Paulo e ficava hospedado na casa da família de Ritta, onde estavam todos apaixonados por ele, principalmente Rita, claro, que escreveu “Doce Vampiro” nessa época:

“Compus Doce Vampiro de uma só tacada, com o violão apoiado no barrigão, imaginando Rob Drácula entrando pela janela do meu quarto e me dando uma bela chupada na nuca”.

Assim que os advogados conseguiram autorização para mudar a residência de Rita, ela, finalmente, foi morar com Roberto em um pequeno apartamento na rua Eça de Queiroz, na Vila Mariana, mas os militares continuavam em vigia na frente do prédio.

Morando com Roberto, é claro que a dupla começou a compor juntos e a primeira canção assinada por Roberto de Carvalho e Rita Lee, se chama: “Disco Voador”, em homenagem a um avistamento da janela do quarto deles, do que seria um OVNI nos céus de Sampa.

Roberto, Rita e Beto

Aos 7 meses e meio de gestação, Beto nasceu. Rita precisou ser internada as pressas após a ginecologista identificar o coração batendo mais fraco. Era um tempo onde os pais não podiam acompanhar as esposas durante o parto e Roberto ficou tenso, olhando tudo pela janelinha, mas no fim, deu tudo certo e “Roberto Lee de Carvalho” nasceu no dia 21 de março de 1977.

No seu livro autobiográfico, Rita se gaba por ter transado com Roberto lá mesmo no hospital, dois dias depois do parto.

Quem ficou incumbido de batizar Beto, foi Gilberto Gil e sua esposa Sandra. Eles tinham muito em comum; além da parceria nas épocas dos festivais, pouco antes de Rita, Gil também foi preso por porte de maconha e no caso dele, acabou internado em um manicômio. Rita compôs X21 a partir da sua experiência e Gil, compôs Sandra.

Moral da história: além de batizar Beto, a dupla famosa, resolveu também juntar as duas bandas e batizar a reunião de “Refestança”, unindo o ultimo lançamento de Gil “Refavela” e o último de Rita: “Arrombou a Festa”. E ficou “Refestança”. E não só isso, resolveram partir para a estrada acompanhados da Hig hand Tuttivela & Refafrutti.

Refestança 1977

O disco ao vivo Refestança, foi lançado em 1977 e segundo Rita, gravado meio nas coxas, com a pouca tecnologia da época, que não conseguiu reproduzir nem metade da farra que eles faziam juntos no palco. Detalhe: em um show no Maracanãzinho, o palco chegou a desabar.

Rita lembra que nos anos 2000, ela e Gil, anunciaram “Refestança 2”, mas o projeto foi cancelado, pois, pouco tempo depois, Gilberto Gil, foi convidado para assumir como Ministro da Cultura.

Nessa fase, como a grana estava entrando, os Tutti Fruttis deram uma segurada nos motins, mas não estavam muito felizes, pois Roberto havia assumido a produção artística e acompanhava as finanças de perto. Mas aquela era uma reunião sem futuro. O ranço era mútuo; bastava uma fagulha para que se separassem e isso aconteceu, quando “Luiz Carlini”, guitarrista do Tutti Frutti, resolveu registrar o nome da banda em seu nome, sem consultar ninguém.

Não só Rita, mas os demais integrantes, também se sentiram traídos. E assim, Rita, se separa do Tutti Frutti logo após a gravação do álbum “Babilônia” de 1978.

“Como estava no começo da turnê Babilônia, seguimos para a estrada com uma banda ainda sem nome. Chegamos a pensar em Hortelã, Private Joke. Meio sem graça e agulhados com a urgência, tapamos o nariz e escolhemos um nome pior ainda: “Cães & Gatos”.

Nessa época, houve uma preocupação inédita de Rita com as crianças. Ela exigiu matinês durante toda a turnê do Babilônia, justamente, para que o público infantil pudesse vê-la. Mas, para isso, ela se comprometeu com a censura a não falar “nomes feios” e cortar uma música ou outra, consideradas fortes demais para uma criança, segundo os militares.

Livre, leve e solta, o próximo disco de Rita Lee, seria o divisor de águas para sua carreira; aquele em que abandonava os trejeitos rockeiros com o qual já não se identificava mais.

Rita queria seduzir e demostrar toda sua paixão por Roberto de Carvalho e ela conseguiu. Isso está registrado no álbum “Rita Lee” de 1979.

E agora, peço ao Cocão que rode a vinheta, pois, a partir de agora, iremos falar sobre: “Mania de Você”.

Compacto Mania de Você 1979

Cheia de luxúria, “Mania de Você”, exalta a química sexual entre um casal que morre de desejo um pelo outro. E Rita, se gaba ao dizer que ela e Roberto, a compuseram em menos de 5 minutos. Vamos ouvir a própria Rita falando sobre, porque é sensacional.

Então é isso… “Mania de Você,” é uma transa musical. Mas não uma transa qualquer, AQUELA transa doida, típica de jovens apaixonados.

Eu lembro de quando me mudei para São Paulo e fiquei 6 meses sem ver a Cris, hoje, minha esposa. Eu tinha 23 anos e quando nos encontramos, foi desse jeito que a Rita narrou, uma loucura!

Quem já ficou desidratado de tanto fazer amor, sabe como é bom e o quanto isso nos satisfaz.

O urologista “Pedro Romanelli”, explica que:

“Quando a gente tem estímulos sexuais, o cérebro recebe essas informações provocando alterações no nosso corpo. No ápice destes estímulos, a gente tem uma liberação de neurotransmissores, substâncias no nosso cérebro, que nos dá essa sensação máxima de prazer”.

O que Rita e Roberto conseguiram em Mania de Você, foi transmitir para a música, essa sensação máxima de prazer, pois, o ritmo nos sugere uma dança envolvente, algo extremamente sexy e atraente. É uma música de proposta única! É sensacional!

Em sua auto-biografia, Rita confessa que Mania de Você, é a sua música preferida, exaltando a ocasião em que foi composta, com o inspiradíssimo script de uma recém-trepada perfeita. Sem pudores, oferecendo a trilha sonora da sexualidade elegante, para motel cinco estrelas nenhum botar defeito.

Assim que lançada, a canção foi sucesso imediato, principalmente, por falar sobre sexualidade a partir de um ponto de vista feminino, algo ainda bastante incomum na época. Era um momento em que os movimentos feministas, começavam a reivindicar a liberdade sexual para as mulheres.

Pouco tempo atrás, ouvi a história de uma mulher, cujo o primeiro marido, não admitia que ela gemesse durante a relação sexual; o processo precisava ser em silencio total e sempre na posição papai e mamãe. E quando ela deixou escapar um pequeno gemido, foi ameaçada pelo marido, que a comparou com uma puta.

A repressão sexual feminina, é uma realidade que aos poucos está desaparecendo da nossa sociedade, mas ainda assombra muitas mulheres por aí. Rita Lee, ao falar sobre o tema em um dos discos mais vendidos dos anos 80, no mínimo, trouxe o debate à tona.

Uma outra curiosidade sobre Mania de Você, é que ela chegou a ser usada como trilha sonora de um comercial da “Ellus Jeans” da época, que acabou sendo censurado pelo seu teor sexual, porque mostrava casais debaixo d’água tirando a roupa e quase mostrando as partes íntimas.

É estranho imaginar, que as ruínas de Pompeia nos revelaram uma sociedade muito mais avançada nesse sentido, onde a prática sexual não tinha tantos tabus, pelo contrário, era tudo liberado e aceito na sociedade. Eu fico pensando, se a humanidade não teria regredido nesse sentido. Mas é só a minha opinião.

Sabe outra curiosidade? A flauta hiper sedutora que ouvimos nessa música, é executada pela própria Rita e os demais instrumentos, foram executados por Roberto, exceto a percussão que foi tocada pelo produtor Guto Graça Melo, o baixo, executado pelo ex-Tutti Frutti Lee Marcucci. E o violão de 12 cordas, executado pelo mutante Sérgio Dias. Legal, né?

Outra curiosidade, é que, durante as gravações, eles receberam a visita inusitada de um garoto franzino de cabelos cacheados, perguntando se poderia acompanhar a gravação, pois gostava muito de Rita. Esse garotinho, era ninguém menos que… Cazuza! Filho do dono da gravadora, dando seus primeiros passos em direção a carreira de sucesso que se iniciaria alguns anos depois.

Roberto de Carvalho também falou sobre Mania de Você:

Foi um verdadeiro tsunami! As músicas estavam em toda parte. As pessoas cantavam, as rádios tocavam sem parar, o disco vendia a rodo e, o mais importante, tocou profundamente os corações de tantas pessoas, numa época tão difícil de repressão ostensiva; de pouca liberdade. 

No fim, conseguimos nos livrar de estereótipos que já vinham projetados nela. Construímos uma obra musical original, longe de ser algum repeteco requentado do que ela vinha fazendo antes. O resultado foi espetacular”.

“Tom Zé”, colega de Rita Lee no movimento tropicalista e um de seus parceiros musicais, definiu a canção como uma Balada Pós-Trepada. Ele ainda declarou considerar o álbum Mania de Você, como um importante marco da sexualidade no país:

Ele foi responsável pela educação sexual daquela época, com suas letras sexo-pedagógicas, criadas pelo fato de Rita ter encontrado um marido tão fantástico como Roberto de Carvalho. Nunca vi uma pessoa se apaixonar tanto pelo pau de um namorado a ponto de tecer loas constantes e repetidas em tudo que cantava”.

Tom Zé exalta isso, porque no mesmo disco de 1979 que saiu Mania de Você, encontramos outros clássicos da pegação como: “Doce Vampiro” e “Chega Mais”.

Outro fato interessante, é que tanto Tom Zé, como também Rita, nomeiam esse disco de “Mania de Você”, mas esse não é o nome do disco e sim, “Rita Lee 1979”. Acontece que, o sucesso dessa faixa foi tanto, que acabou batizando o álbum de forma não oficial. Nos dois primeiros meses, Mania de Você vendeu 150 mil cópias, finalizando o ano de 1979 com 500 mil cópias vendidas.

Outra informação que me sinto na obrigação de corrigir, é sobre a fala de Rita Lee, quando ela disse que compôs Mania de Você bem resolvida, com seus dois filhos ao seu lado. Mas a rainha se enganou nessa linha cronológica, pois, na capa de “Mania de Você”, Rita é retratada com uma tatooagem no ombro do seu logo, desenvolvido especialmente por Hans Donner. E na contracapa, vemos uma foto do casal com Roberto empunhando uma guitarra bem diferentona e Rita segurando uma flauta logo abaixo do barrigão. Sim! Ela estava grávida do segundo filho do casal, “João Lee”, o “Juca Canceriano”, que nasceu pouco tempo depois do lançamento do álbum. E dois anos depois, nasceu “Antônio”, o terceiro filho do casal.

Então, podemos agregar mais um fetiche ao casal apaixonado, porquê, Mania de Você, provavelmente, foi composta quando Rita estava grávida.

Assim, vamos chegando ao final de mais um episódio do Clube da Música Autoral – enfatizando que Rita Lee e Roberto de Carvalho tem ainda muita história para ser contada.

Eles se conheceram em 1976 e desde então não se largaram mais. Gravaram dez álbuns juntos e em 1996, se casaram oficialmente, vivendo juntinhos e felizes até o dia 08 de maio de 2023, que ficou conhecido como um dos dias mais tristes do Rock Brasileiro, o dia que perdemos Rita Lee Jones, aos 75 anos de idade. O dia que a morte separou Roberto e Rita.

“Ó morte, tu que és tão forte e que um dia vestiu a roupa mais bela para vir buscar o pai do Rock Brasileiro, repetiu a cerimônia e também veio buscar a Rainha do Rock, deixando não só a família Carvalho em luto, mas também, todo o Brasil”.

Família Lee Carvalho

Recentemente, Roberto e os filhos, estavam comemorando a cura do câncer de Rita, quando exames de rotina mostraram a remissão da doença.

Segundo informações publicadas na imprensa, Rita estava em casa no fim da noite de segunda-feira, dia 8 maio, quando faleceu.

O velório aberto ao público, foi no Parque Ibirapuera, onde milhares de fãs se despediram de Rita e posteriormente, seu corpo foi cremado.

“Quando eu morrer, posso imaginar as palavras de carinho de quem me detesta. Algumas rádios tocarão minhas músicas sem cobrar jabá, colegas dirão que farei falta no mundo da música, quem sabe até deem meu nome para alguma rua sem saída. Os fãs, esses sinceros, empunharão capas dos meus discos e entoarão Ovelha Negra, as TVs já devem ter na manga um resumo da minha trajetória para exibir no telejornal do dia e uma notinha no obituário de algumas revistas há de sair”. Escreveu Rita Lee e assim foi…

Aqui é o Gilson de Lazari. Foi um prazer falar de música com você… e até a próxima!

Gilson de Lazari

 

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Roteiro: Gilson de Lazari

Locução: Gilson de Lazari

Revisão: Gus Ferroni

Arte da vitrine: Patrick Lima

Edição de áudio: Rogério Silva

 

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