Essa é a história de um homem que levou sua música até as últimas consequências, ao ponto de fazer um pacto na encruzilhada para se tornar o maior tocador de Blues de todos os tempos… “Robert Johnson”.
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Roteiro e locução: Gilson de Lazari
Revisão: Camilla Spinola e Gus Ferroni
Transcrição: Camilla Spinola
Arte da vitrine: Patrick Lima
Edição de áudio: Rogério Silva
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A partir dessa sequência de acordes, que não foi criada por Robert Johnson, mas popularizada por ele, nasceu o blues, depois o rock e toda a revolução cultural e comportamental que se seguiu. Analisar a obra e vida de Robert Johnson é uma obrigação para nós, aqui no Clube. Mito ou verdade? Robert Johnson realmente teria vendido a alma para o diabo em troca de aprender o blues?
Se aconchegue caro ouvinte, porque hoje a resposta será revelada, logo após discorrermos sobre uma de suas mais populares canções… “Crossroads”
Estamos na quinta temporada e esse podcast é um oferecimento dos sócios do Clube. Sem eles, talvez, teríamos que vender a alma na encruzilhada, né, Cocão? Não deixe que isso aconteça! Imagine que Cocão e eu somos como Willie Brown e Robert Johnson, contando uma história na calçada, com o case do violão aberto, esperando que alguém reconheça o que fazemos aqui. Para ser sócio é só acessar o site clubedamusicaautoral.com.br/assine e conhecer as vantagens que você recebe em troca do seu apoio. Mas, aviso que agora temos um Pix do Clube também. Pelo nosso e-mail clubedamusicaautoral@gmail.com você pode jogar uma moedinha pra gente.
Nesses 47 episódios, o Blues nunca foi abordado aqui no Clube. Não sei exatamente o motivo, mas acho que tem a ver com o mito…
O blues pode ser simples e complexo ao mesmo tempo, quando pensamos na métrica e na repetição de frases, que se tornou um padrão da música negra em diferentes continentes, após sua cultura ter sido massacrada pela escravidão. Pensando no conceito histórico se torna complexo, mas, na verdade, a essência do blues é mais simples do que imaginamos. Eu gosto da definição de Willie Brown: “O Blues não é nada além de um homem se sentindo mal, pensando na mulher com quem esteve um dia”.
Robert Leroy Johnson – quando ouço alguém falar esse nome, é inevitável: imediatamente me lembro do “A Encruzilhada”, filme de 1986 protagonizado por Ralph Macchio que faz o papel de um adolescente de 17 anos, apesar de que ele já tinha 25 na época das filmagens. O filme “A Encruzilhada” foi rodado um ano após Machio viver Daniel Sam em “Karatê Kid” e tornar-se um mega astro.
“Crossroads”, ou “A Encruzilhada” como foi nomeado no Brasil, não conta a história do Robert Johnson, mas conta a história de um gaitista, supostamente amigo de Johnson, e que, assim como ele, também teria vendido a alma ao diabo…
É, pois é, não dizem que o diabo é o pai do rock?
Eu adoro esse filme com todas as minhas forças… Eu já comentei aqui o quanto “De volta para o futuro” me influenciou com Johnny B Goode, mas “A Encruzilhada” já é notável pelo roteiro, que foi escrito por um estudante da escola de artes de Nova York, John Fusco. Era para um trabalho de conclusão de curso, mas os professores acharam aquilo tão bom que inscreveram Fusco em um concurso. E, vejam só, “Crossroads” conquistou o primeiro lugar do “FOCUS Awards”. Consequentemente foi vendido para a Columbia Pictures e o resto a gente já sabe. Se você não assistiu, tenho certeza de que ao final desse episódio vai querer assistir, mas aviso que teremos spoilers.
John Fusco já era um roteirista milionário antes mesmo de se formar. Provavelmente, por também ser um estudante de guitarra, encontramos tanta verdade no roteiro desse filme. Ele conta a história de um estudante de violão clássico apaixonado pelas lendas do blues e, mesmo após 50 anos de Robert Johnson, ainda era discriminado.
Cocão, vamos começar o episódio de hoje de uma forma diferente. Vou narrar o começo desse filme de que tanto gosto…
Para entender o que é “Delta Blues” precisamos, primeiro, saber o que é delta. Em geografia, designa-se por delta a foz de um rio formada por vários canais ou braços do leito do rio.
No caso do blues, a referência é o delta do rio Mississippi, no estado da Louisiana, no sul dos Estados Unidos. Ele cobre uma área de 75 000 km², cortando ou margeando dez estados americanos. O delta do Mississippi constitui um rico ecossistema e é principalmente caracterizado por regiões pantanosas.
O “Delta Blues” nasceu na região do delta do Mississippi ao sul de Memphis, Tennessee, uma região que era conhecida pela desigualdade social. Lá, os primeiros guitarristas e gaitistas originais do “Delta Blues” criaram esse tipo de música como uma forma de expressar a vida dura que levavam. A guitarra slide é uma parte importante do estilo, embora o toque rápido também seja encontrado. Os estilos vocais são muito importantes e podem variar de agressivo a melancólico.
Melancolia é uma ótima forma de definir o blues, porque não podemos jamais esquecer do contexto histórico. Por volta de 1500, escravos africanos, vieram em navios negreiros para a América, trazendo a mão de obra necessária para transformar a América em espelho da Europa. Essa prática radical destruiu a cultura de centenas de milhares de negros, cuja principal forma de expressão era através dos tambores.
Nas aulas de história eu sempre me perguntava, em silêncio, como poucos brancos conseguiam controlar centenas de negros. Por que eles não se rebelavam? Pois bem, em 1739, próximo a Charleston, na Carolina do Sul, um grupo de escravos americanos iniciou uma marcha por liberdade. Essa é considerada a primeira revolta de escravos nos Estados Unidos. Foi quando entraram em confronto e mataram cerca de 25 brancos. Os escravos rebeldes acabaram sendo capturados e foram executados em praça pública.
Em resposta, o governo da Carolina do Sul fez uma série de proibições, que futuramente seriam adotadas por outros estados, principalmente do sul. Entre elas, os negros foram proibidos de plantar seus próprios alimentos, de aprender a ler e escrever, de se reunir em grupos, de usar boas roupas e, principalmente, foram proibidos de matar qualquer pessoa que fosse “mais branca” do que eles.
Como os brancos americanos suspeitavam que os tambores eram utilizados como uma forma de comunicação dos negros, também foram proibidos.
Os instrumentos toleráveis, os quais os negros podiam tocar na região do delta do Mississipi, eram o violão, a gaita e o piano. Eram encontrados geralmente nas igrejas, onde aprenderam a cultuar o Deus Cristão dos brancos e, logo, embalaram o surgimento do “Negro Spiritual”, que nada mais é do que a versão religiosa das worksongs, que os escravos cantavam nas plantações de algodão.
Notem que uma voz puxa e todas as outras repetem. Cantar ajudava a sincronizar o uso das ferramentas, mas servia principalmente para distrair a mente do cansaço físico. Esse padrão de repetição (pergunta e resposta) é encontrado em muitos dos estilos musicais negros como no gospel.
Mesmo separados por milhares de quilômetros, no Brasil o mesmo padrão se transformou no que seria o nosso blues: o samba. Mas, aqui, diferente dos EUA, os tambores não foram proibidos
Em 1865, após o fim da guerra civil, os americanos também aboliram a escravidão. Aparentemente, negros estariam livres. Mas, como sabemos, não foi bem assim que as coisas aconteceram e, na reforma da legislação americana, implantaram a prisão perpétua com trabalhos forçados. Logo isso se tornou uma adaptação do trabalho escravo. Bastava condenar um negro na justiça e o estado cuidaria para que ele continuasse escravo até o fim da sua vida.
Nos estados do sul, até hoje existem manifestações contra a liberdade dos negros. É uma reflexão melancólica de se fazer e talvez por isso o nome do estilo seja blues, que significa tristeza na cultura norte-americana.
O primeiro nome popular a surgir como um músico específico de blues foi o de Charley Patton, em meados da década de 20. Posteriormente, na mesma época, surgiram nomes como de Son House, Willie Brown, Leroy Carr, Bo Carter, entre outros. Todos do sul dos EUA. A princípio, a maioria das canções interpretadas eram cantos tradicionais como “Catfish Blues” e “John The Revelator”, canções essas que são tipo um folclore e tiveram vários intérpretes e versões no decorrer da história. Porém, foi na década de 30 que surgiu aquele que é talvez o nome mais influente e idolatrado do blues: Robert Johnson.
O que se sabe realmente sobre Robert Johnson é pouco e muito disso provavelmente são mitos que se misturam com a sua história. “O Diabo na Encruzilhada” é um delicioso documentário que não conta a sua história, mas reúne relatos de parentes e estudiosos do blues. É uma fonte de informação muito relevante caso você queira se aprofundar nos mitos pro trás de Robert Johnson. Eu acho que ele seria tipo o Chico Mineiro que gravou um disco. Existem algumas semelhanças, sabia?
Foi só em 1967 que o atestado de óbito foi descoberto, então foi possível rastrear sua origem. Robert Johnson nasceu em Hazlehurst, Mississippi, mas sua data de nascimento oficialmente aceita, 1911, provavelmente está errada. Registros existentes (documentos escolares, certidões de casamento e certidão de óbito) sugerem diferentes datas, entre 1909 e 1912.
À beira do Mississipi existe uma velha casa de madeira que se tornou ponto turístico em Hazlehurst. Lá seria o local onde Robert Johnson nasceu. Sua mãe se chamava Julia Doods e era casada com um carpinteiro rico, que passou a ser perseguido pela Ku Klux Klan, uma seita supremacista que executava negros sem qualquer motivo. Então ele precisou fugir para o norte dos EUA onde negros tinham mais oportunidades, deixando a esposa para trás. Robert nasceu de um relacionamento casual entre sua mãe com um lenhador cujo nome não é conhecido.
Relatos sugerem que Johnson e sua mãe eram levados de fazenda em fazenda conforme os meeiros fechavam acordos com os fazendeiros do delta. Dizem até que em algum momento sua mãe o abandonou. Mas, após conseguir se casar novamente com um meeiro, trouxe o filho para morar com eles e, claro, mesmo criança, Robert precisava trabalhar para pagar por sua comida.
Porém, reza a lenda que Robert Johnson era diferente dos outros garotos. Ele não gostava de seguir ordens e se metia em várias enrascadas por isso. Seu padrasto vivia o espancando. Então, ainda adolescente, ele decidiu que não trabalharia mais nos campos de algodão e foi embora de casa. Uma decisão difícil para um negro do Mississipi em 1920, época em que era isso ou nada. Mas, Robert era diferente mesmo. Ele achou a saída através da música.
Com seus dedos longos, ele aprendeu a dedilhar um velho violão e, descalço, com o instrumento pendurado nas costas, ia de fazenda em fazenda tocando para os meeiros em troca de comida ou de alguns poucos centavos. Aos finais de semana aconteciam encontros em bares negros onde dançavam e cantavam até altas horas. Era assim que aqueles pobres trabalhadores se divertiam, mas sempre com muita cautela, pois pretos eram condenados por qualquer motivo. A diversão era mal vista, tanto pelos racistas do sul, quanto pelas igrejas batistas da época. A maioria dos músicos do Mississipi aprendia a tocar nas igrejas, apesar de que esse não foi o caso de Robert Johnson: ele aprendeu de outra forma.
Com a popularização dos bares negros, as igrejas começaram a esvaziar nos fins de semana. Pastores não eram remunerados. Eles precisavam das doações. Mas, como, se as pessoas preferiam dançar ao invés de ir à igreja? Foi então que os pastores mais espertos começaram a adaptar seus sermões e criaram o enredo de que o blues era música do diabo. Eles falavam isso, claro, para que os tementes não caíssem na tentação de experimentar uma noitada de música e bebedeiras… Os pastores insistiram tanto com isso que pegou: o blues se tornou música do diabo e esse mito passou para as novas gerações.
Por volta dos 18 anos, Robert Johnson, um menino subnutrido e sem lar, resolve sair dos campos e ir para cidade, afinal, era lá que a gorjeta era boa. Ele caminhava pelas perigosas estradas do delta, às vezes pegava uma carona em alguma carroça e, assim que chegava nas cidades, tocava seu velho violão desafinado em alguma esquina em troca de alguns poucos centavos que eram jogados em seu chapéu no chão. Ele ficava lá até ser expulso ou se cansar do lugar. Então, pegava a estrada de novo.
Lembrando do filme “A Encruzilhada”, existe uma passagem sensacional que fala sobre isso. O gaitista Willie Brown também era um ex-andarilho, tal como Robert Johnson, e por isso ele havia se tornado malandro e até roubava se fosse necessário. Essa era a vida de um verdadeiro tocador de blues, dizia Willie. Então eles encontram uma garota de 17 anos e, após invadirem um celeiro para passar a noite, são detidos por policiais do Mississipi. Detalhe: policiais negros.
Mesmo em tempos de escravidão, negros eram usados para penalizar outros negros… Em alguns estados do Mississipi continua assim. Ser um músico negro e andar pelas estradas do Mississipi era mais que aventura: era um risco constante. E ser malandro fazia parte do jogo da vida. Mas, Robert Johnson, aos 18 anos, ainda não era um músico virtuoso e muito menos um malandro.
Ele ainda sonhava em ter uma família e um lar. Foi quando ele se apaixonou por uma menina de 15 anos chamada Virginia Travis. Mentindo a idade dela, eles se casam. Robert prometeu largar a música e ser um marido presente. Eles se mudaram para os arredores de uma plantação de algodão e lá passaram a viver o tipo de vida padrão que era imposto pela sociedade negra da época. Um ano depois, Virginia engravidou e aos 8 meses de gestação, Robert a leva para casa da mãe para que cuidem dela enquanto ele trabalha. Sozinho, algo faz com que Robert Johnson quebre a promessa.
Ele pega seu velho violão e volta a tocar nas ruas da cidade. Após um mês, Robert volta para buscar a esposa e conhecer seu filho. Então, descobre que ela e o bebê morreram no parto. Os pais de Virginia estão revoltados e acusaram Robert de ser o culpado pela morte da filha. O motivo: ele estava tocando a música do diabo e Deus o havia castigado. Robert Johnson ficou arrasado: “O Blues não é nada além de um homem se sentindo mal, pensando na mulher com quem esteve um dia”.
Segundo relatos, foi após a morte da esposa e do filho que ele sequer chegou a conhecer que Robert Johnson decide largar tudo de vez para ser um músico. Mas, ele decide ser o melhor músico do Mississipi. Então, por recomendação de outros músicos, em 1933, ele se muda para Robinsonville, local onde havia uma cena blues emergente. Foi lá que ele encontrou Son House e Willie Brown (o verdadeiro, não o do filme). Ambos eram guitarristas que ganhavam até um bom dinheiro tocando nos bares negros.
Son House dizia que Robert era muito inconveniente: ele entrava no bar, ia pegando as guitarras sem pedir e tocava muito mal. Os músicos tinham receio de que ele quebraria alguma corda e, logo após ser vaiado após uma nova tentativa de tocar, ele deixa o bar revoltado e desaparece na escuridão da noite.
Como não era parente de ninguém, pouco sentiram sua falta. Robert Johnson voltou após 1 ano e meio, entrou no mesmo bar em que Willie Brown e Son House estavam tocando e todos ficaram felizes em ver que o miserável ainda estava vivo. Como sempre, Robert pediu para tocar uma música e Son House anuncia: “Vejam quem está de volta? O jovem Robert, vamos dar as boas-vindas e aguentem firme que ele quer tocar uma música”.
Son House, que faleceu em 1988 aos 86 anos, contou até o fim de sua vida sobre esse dia: o dia em que Robert Johnson tirou um violão do case com 7 cordas. Ele nunca tinha visto aquilo. Ele sobe no pequeno palco, se senta virado de costas para a plateia, bebe um gole de whisky, coloca sua dedeira e toca o Blues do Mississipi.
Todos ficaram abismados com a evolução musical do jovem Johnson… Como ele ficou tão bom em tão pouco tempo? Cocão, é chegada a hora de rodar a vinheta porque, a partir de agora, com respeito e sem ser vago, vamos falar sobre “Crossroads”, canção de Robert Johnson gravada em 1937.
Traduzindo, “Crossroads” é encruzilhada. Mas, por que cargas d’água um bluesman que, só por esse título, já era taxado de diabólico, falaria sobre encruzilhada na letra de uma música?
Robert Johnson é considerado pai dos 12 compassos do blues e, ao tocá-lo nessa canção, ele mistura o velho estilo do worksong de pergunta e resposta com uma letra emblemática:
Eu desci a encruzilhada
E caí de joelhos
Pedi ao Senhor do céu por misericórdia:
“Salve-me por favor”
As encruzilhadas são, segundo a lenda, o local onde alguém vai para vender sua alma ao diabo. E o que a letra sugere é que Robert se arrepende, volta ao lugar onde fez o suposto trato, se ajoelha e ora a Deus por misericórdia, na esperança de reverter o seu destino.
Segundo o mito, Robert Johnson levou seu violão até a encruzilhada numa noite sem lua e o tocou até o Diabo aparecer e lhe estender a mão pedindo o violão. Ajoelhado, Robert o entrega. O Diabo então começa a afiná-lo e, antes de devolver o instrumento, avisa: Quando receber o violão, sua alma será minha… você o quer?
Arrepiante! Continuando a letra de “Crossroads”, Robert Johnson cita Willie Brown:
Você pode correr e diga a meu amigo Willie Brown
Que estou com o blues da encruzilhada, Senhor, essa manhã
Meu bem, estou afundando
Robert Johnson indica que caso ele morra, Willie Brown deve ser notificado. Como eu já disse, o Willie Brown do filme não é uma personificação fiel do verdadeiro Willie Brown, que é natural de Clarksdale, tocava guitarra, cantava, realmente viveu em Robsisonville em meados dos anos 30 e teria morrido em 1952, vítima de um ataque cardíaco.
Na letra de “Crossroads”, Johnson está supostamente arrependido e tenta reverter seu futuro. Esse é exatamente o enredo que o Willie Brown do filme vive, e uma das cenas mais arrepiantes é quando ele leva o incrédulo Eugene, já apelidado de Lightning Boy, até a encruzilhada e pede que toque para que ele venha…
Nesse momento aparece o Jack Butler e é ninguém menos que Steve Vai, e rola um show de guitarra! Muitos nomes foram cogitados para interpretar o guitarrista do diabo em Crossroads. Stevie Ray Vaughan foi um deles, imagina? Mas não deu certo. Também colocaram em pauta o nome de Keith Richards, dos Rolling Stones, e até Frank Zappa foi sondado. Por fim, decidiram por Steve Vai e vale lembrar que ele não era famoso em 1986, mas já destruía na guitarra de uma forma moderna, usando uma guitarra com microafinação que emitia sons diabólicos e fazia o contra ponto à simplicidade do blues.
Segundo o roteirista John Fusco, qualquer guitarrista famoso que interprestasse Jack Butler diminuiria o personagem. Por isso, escolheram o então desconhecido Steve Vai
Cocão – Gilsão, a história do pacto é bem mais sinistra do que conta a lenda. Acredita-se que Johnson saiu da casa de show naquela noite e foi até um mestre hoodoo, que seria equivalente ou similar ao vodu. Esse mestre foi quem o teria levado até a encruzilhada. O Mississippi também é conhecido como um dos locais onde a cultura do vodu haitiano se perpetuou e por séculos disputou espaço com o cristianismo.
Robert Johnson teria participado de uma cerimônia para invocar Papa Legba, o primeiro espírito Loá, um dos mais poderosos, o considerado mensageiro, intérprete entre os seres humanos e os espíritos existentes. E isso não é mito, não: o pacto na encruzilhada é praticado até hoje por remanescentes de algumas religiões africanas.
Bem lembrado Cocão, e assim como Willie Brown, Robert Johnson, nas entrelinhas de “Crossroads”, tentava desfazer seu suposto acordo.
Escrever e pesquisar sobre os roteiros do Clube sempre me deixa muito envolvido com a história. O que motivaria alguém a vender sua alma?
Esse trecho que eu vou narrar agora foi escrito do meu celular as 5:27 da manhã:
Acordei com um barulho no corredor de casa. Ignorei, pois pode ser um dos meus filhos indo ao banheiro. Um frio me gela a espinha e sinto a presença de alguém na porta. Eu pensei “Que medo! Abro os olhos ou não?” Nesse momento, lembro-me de “Crossroads” e que minhas pesquisas poderiam ter despertado algo. É tarde, já estão do meu lado passando as mãos na minha cama procurando algo. Então eu acordo ofegante. Nossa… É um pesadelo. Que estranho! Por que estariam atrás de mim? Resolvo ir até o banheiro e, quando coloco os pés no chão, ele está molhado…
Eu me arrepio inteiro só de lembrar… Era um sonho dentro do sonho. Já aconteceu com você? Fui até o banheiro, lavei o rosto pensando no quanto a história de Robert Johnson havia me impressionado, e principalmente no poder que essa lenda tem.
Minha mente se inundou com referências de outros músicos que supostamente em algum momento foram acusados de compactuar com o Diabo… John Lennon teria sido cobrado em 1980 através de Mark Chapman? Jimmy Page, ao se aliar com Aleister Crowley, teria trocado a sua alma pela do baterista John Bonhan? Qual o preço que Robert Plant pagou pela letra de “Stairway To Heaven”? Teria realmente lhe custado a alma do filho?
Mas dentre todos os supostos pactos, o que mais me deixou pensativo logo após o pesadelo foi a lenda do Chico Mineiro. A história ressalta a exímia habilidade que o boiadeiro tinha ao tocar a viola, sendo essa sua principal moeda de troca, motivo pelo qual conquistava as mulheres e era bem quisto nas longos viagens pela estrada de Ouro Fino. A moda de viola caipira seria o equivalente ao nosso blues?
Os violeiros também têm sua versão sobre a “negociação” com o coisa ruim. O peão interessado em aprender tocar a viola deve esperar uma noite de sexta-feira de lua cheia, caminhar até a encruzilhada deserta e chamar sete vezes pelo tinhoso. Se ele não aparecer, a segunda opção é rezar o Pai-Nosso de trás para a frente até ele surgir.
O diabo irá tirar 10 fios da sua barba, esticá-los numa viola preta e presenteá-la ao violeiro. Depois de afinada, está tudo pronto. O sujeito terá fama e sucesso. Só que, depois de 99 anos, ele vem buscar sua parte no pacto, a alma do violeiro, esteja onde estiver.
Durma com essa… Se puder…
Mas a história do pacto é muito mais antiga do que isso… Pesquisando aqui descobri que Robert Johnson pode até ser o pactuante mais pop, porém o mais antigo é o músico Niccolò Paganini, um dos violinistas mais famosos de todos os tempos e sempre lembrado como o “Violinista Diabólico”. Paganini possuía um aspecto cadavérico por ser magro demais, além de ter dedos exageradamente longos, tal como Robert Johnson. A sua aparência esquisita deu origem aos boatos de que o violinista fizera um pacto com o demônio e por isso tocava tão bem violino, sendo até creditada a ele a invenção das famosas técnicas como o staccato e o pizzicato.
Mas tem quem diga que o mito do pacto perdurou porque ele só viajava em carruagens puxadas por cavalos negros. O fato é que as lendas ao redor dele ficaram tão fortes que alguns padres rejeitaram enterrá-lo quando Paganini morreu em 1840.
Se você é daqueles que não acreditam em vodu nem em pactos com diabo, saiba que existe uma outra versão: após ter sido vaiado em Robinsonville, Robert teria voltado para sua cidade natal em busca de seu pai biológico, provavelmente à espera de algum conforto emocional, mas não o encontrou. Porém, ele encontra Ike Zimerman, um experiente tocador de blues que, por algum motivo, resolve adotar Robert Johnson. Relatos de uma de suas filhas comprovam o fato. Ela afirma que RL, como foi apelidado, era como um membro da família e passava os dias treinando guitarra. Mas o fato mais curioso é que Ike gostava de dar suas aulas no cemitério, sentado em uma lápide, à meia noite, porque acreditava que os fantasmas sairiam dos túmulos para ensinar o blues enquanto eles tocavam.
Aliás, muitas das músicas que Robert Johnson gravou, segundo a filha de Ike Zimerman, eram composições dele que nunca foram creditadas… Nessa versão, o mito do pacto se sustenta pelo fato de que Robert, sempre que queria escrever uma música, ia até o cemitério de qualquer cidade onde estivesse, sempre à meia noite.
Nesse meio tempo, enquanto estava aprendendo o blues, Robert teria se apaixonado novamente, dessa vez por Virgie Cain, a filha de um meeiro muito influente da região. Ela engravida e Robert pede a mão da moça, mas seu pai o manda embora de sua casa com o mesmo discurso de que um tocador de blues demoníaco jamais se casaria com sua filha… “O Blues não é nada além de um homem se sentindo mal, pensando na mulher com quem esteve um dia “.
Em Jackson, por volta de 1936, Robert Johnson procurou HC Speir, um caçador de talentos que colocou Johnson em contato com a gravadora ARC. Foi quando agendaram a primeira sessão em San Antônio, no Texas, na sala 414 do Gunter Hotel, onde montaram um estúdio temporário. Foram 3 dias de gravação e Johnson registrou 22 faixas. Dizem que Robert Johnson tocava virado para um canto da parede para melhorar o som da guitarra, uma técnica que ele chamou de “corner loading”. Porém há quem diga também que isso jamais aconteceu e que Robert gravou suas músicas de frente, como os demais músicos faziam.
A maioria das canções e performances “sombrias e introspectivas” de Johnson vêm de sua segunda sessão de gravação, um ano depois, em 1937, quando ele viajou para Dallas. E, em mais uma sessão gravada em um estúdio improvisado, ele registrou o restante de suas músicas, entre 19 e 20 de junho. Ao total, Robert Johnson gravou 29 canções e é isso que compõem sua discografia. Mas, reza a lenda que o contrato seria para 30 músicas. Onde estaria a música perdida? Sob essa dúvida, John Fusco escreveu o roteiro de “A Encruzilhada”. Lightning Boy precisou se aventurar pelas perigosas estradas do Mississipi, tocar em bares sombrios e perder a sua primeira garota para, então, entender que o blues não se aprende em uma sala de aula. Aliás, o verdadeiro “Delta Blues” do Mississipi não se aprende: você precisa senti-lo… E essa é a minha cena preferida.
Com a guitarra de Lightning Boy gentilmente chorando a perda de sua amada, vamos chegando ao fim de mais um episódio do Clube da Música Autoral, mandando aquele salve em reconhecimento ao apoio dos diretores desse Clube.
Lembro que, caso você não queira ser um sócio, pode nos apoiar fazendo um Pix agora mesmo, enquanto ouve esse episódio. Use o nosso e-mail como chave: clubedamusicaautoral@gmail.com. A outra maneira de nos ajudar é enviando um comentário nas redes sociais: estamos no Facebook, Twitter, Instagram, YouTube e Telegram. Procure por Clube da Música Autoral que só de seguir você já começa a fazer parte desse clube.
Para encerrar o episódio de hoje, lembro que a arte de Robert Johnson só foi realmente reconhecida muitos anos depois, com as versões lançadas por grandes músicos. O primeiro a regravá-las foi Elmore James na década de 50. Depois dele, Eric Clapton, ao lado do Cream, popularizou “Crossroads” na sua versão blues como a conhecemos hoje… Deixa tocar, Cocão.
Mas, antes de me despedir, não posso deixar de contar como terminou esse contrato com o diabo, né?
E é aí que coloco a minha opinião. Apesar de ser uma história excitante, e que eu adoraria que fosse verdade, Robert Johnson foi uma vítima do racismo que predominava nos estados do sul durante a década de 30. Astuto, ele se adaptou a um enredo que, no fundo, o protegia. Ele até gravou uma música chamada “Me and The Devil Blues” onde narra uma conversa matutina com o Diabo, que simbolicamente vinha buscá-lo.
Quem teria coragem de se meter com um homem que fez pacto com o diabo, em 1930, numa época em que as pessoas eram controladas pelo medo?
Sobre o repentino talento… talvez Johnson tivesse tido seu talento subjugado por outros guitarristas, exatamente por ser humilde. Willie Brown nos ensinou que não existe espaço para a piedade no Mississipi. E tanto é verdade que todas as tentativas de Robert Johnson em ter uma vida normal fracassaram.
Eu falo isso porque existem relatos de que Robert Johnson, após ter seus discos lançados, ficou arrogante e se transformou num encrenqueiro daqueles… Em todo bar onde ele tocava, arrumava uma confusão, e o mito do pacto difundiu a lenda de que ele poderia ter a mulher que quisesse. E foi exatamente isso que o matou.
Em 1938 durante uma apresentação no bar “Tree Forks”, Johnson bebeu whisky envenenado com estricnina, supostamente preparado pelo dono do bar, o qual estava enciumado porque o músico teria flertado com sua mulher.
Sonny Boy, que estava tocando junto com Jonhson, é testemunha ocular do ocorrido. Ele já o havia alertado sobre o whisky, mas Robert não deu ouvidos e justificou: não se joga fora uma garrafa de whisky de 8 dólares.
O veneno não matou Robert Johnson, mas enquanto estava se recuperando, contraiu uma pneumonia e morreu 3 dias depois, em 16 de agosto de 1938, em Greenwood, Mississippi. Aliás, ele morreu aos 27 anos e faz parte do Clube dos 27. Ouça o Drops 16 para mais detalhes sobre esse tal clube macabro.
Claro que existem outras versões para a morte de Robert Johnson: em uma disseram que ele havia morrido de sífilis e, em outra, que ele havia sido assassinado com uma arma de fogo. Mas, no seu certificado de óbito, é citado apenas “No Doctor” (sem médico) como causa da morte. Ou seja, não houve perícia.
Caso você queira acreditar na lenda, comunico que a melhor versão da morte de Robert Johnson acontece em Clarksdale, Mississippi, enquanto ele tentava uma chance de renegociar sua alma… Robert caminhava decadente pela rodovia 61 com seu violão, uma garrafa de whisky adulterado e, quando ele chega no cruzamento com a rodovia 49, ouve um bend escandaloso de gaita.
Assim, teria se manifestado o diabo para Robert Johnson pela última vez…
Esse podcast é um oferecimento dos sócios do Clube da Música autoral. A revisão do roteiro é da Camilla Spinola e do Gus Ferroni, a arte de vitrine é do Patrick Lima, a edição é dele, Rogério “Cocão” Silva, e a produção é minha. Foi um prazer falar de música com vocês e até a próxima.