Boicotes, guerrilhas, lutas sociais, guitarras distorcidas e muita fúria… esses eram os combustíveis do Rage Against the Machine na luta ideológica contra o governo americano, que culminou na canção de maior sucesso da banda, “Killing in The Name,” que hoje tornou-se um hino contra a supremacia branca e o autoritarismo institucional.
Formato: MP3/ZIP
Tamanho: 57 MB
“Você pode ser tema do Clube da Música Autoral”
Escreva uma história, lembrando de algum fato curioso ou importante de sua vida, onde a música seja o tema principal e envie para nós.
As quatro melhores histórias ganharão um quadro das musas da 3ª temporada, pintados pelo artista plástico “Caio Camasso.”
Para entender as regras dessa promoção e nos enviar sua história, acesse: clubedamusicaautoral.com.br/suahistoria e compartilhe a sua experiência musical com a gente.
Se você gostou do Clube da Música Autoral, seja um sócio. Acesse: clubedamusicaautoral.com.br/assine e confira as vantagens que você recebe em troca do seu apoio.
Se você quiser, também pode nos ajudar fazendo um PIX. Utilize nosso email como chave: clubedamusicaautoral@gmail.com Qualquer valor é bem-vindo.
Roteiro e locução: Gilson de Lazari
Revisão: Camilla Spinola e Gus Ferroni
Transcrição: Camilla Spinola
Arte da vitrine: Patrick Lima
Edição de áudio: Rogério Silva
Assine
Apple Podcasts
Google Podcasts
Spotify
Deezer
Amazon Music
Castbox
Podcast Addict
Pocket Casts
RSS
Ver Mais Opções
Fale Conosco
Facebook
Twitter
Instagram
WhatsApp
Telegram
Se preferir, escreva um comentário, ou envie um email para: clubedamusicaautoral@gmail.com
Playlists
Quer ouvir as músicas que tocaram neste episódio?
Confira a playlist no Spotify, no Deezer, ou no YouTube.
O som é FODA ou não é? Cara, É FODA demais, fala sério! E apesar desta expressão não ser muito bonita de se dizer, FODA é um clássico do dialeto informal. Eu não o digo aqui no Clube porque considero fora do contexto, mas, no meu dia a dia, conversando informalmente, falo muito, tanto, apesar de saber que é foda falar FODA. Tem gente que não gosta, mas é mais forte que eu… O verbo “foder” tem dois significados: ele pode tanto definir relações sexuais com outras pessoas, como também significar estragar, arruinar e o clássico “hummm… fudeu”.
Mas, o significado do foda depende também de um bocado de fatores, e o meu preferido é quando gosto muito de algo. E, para transmitir empolgação, digo que aquilo… foi Foda!
Imagina ter que explicar isso para um gringo? Pois é, mas é exatamente isso o que tentarei fazer hoje. Porém, os gringos somos nós, e o som foda é o Killing in the name
Alguns recados são necessários antes de irmos ao assunto… Vocês estão sabendo do concurso que o Clube está fazendo nessa temporada? Caso ainda não saiba… se liga no recado do Patrick.
Legal, né? Se você conhece alguém que gosta de contar histórias, marca nas nossas redes sociais… O Clube está no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube. Procure por Clube da Música Autoral que, só de seguir, você já começa a fazer parte desse Clube. Aproveita também para deixar um comentário sobre os episódios dessa temporada, pois os melhores serão lidos no episodio extra.
Você que nos acompanha já sabe, mas você que está chegando agora, saiba que, quem mantém esse clube no ar, são os sócios. Se você gosta das histórias das músicas narradas neste podcast, cogite apoiar essa missão. Acesse clubedamusicaautoral.com.br/assine e conheça os planos e o que você recebe em troca do seu apoio.
Bom… antes de começar a escrever esse roteiro, perguntei para o Cocão qual episódio ele queria sugerir para essa temporada e foi na lata… Rage Against The Machine. Aliás, essa é uma promessa antiga aqui no Clube. Tanto Cocão como eu entendemos e respeitamos o envolvimento político e a militância da banda, mas, para alguns, eles exageram e fazem apologia ao terrorismo. Afinal, são muitas polêmicas que os caras levantaram e meteram o dedo na ferida do Tio Sam. Como nossa missão aqui é contar as histórias das músicas, seria vago falar sobre o Rage, sem abordar suas lutas sociais.
Então, vamos ao que interessa. A partir de agora, com respeito, sem ser vago… e sem massagem… Vamos contar a história do Rage Against The Machine:
Eu conheci o Rage Against The Machine no início dos anos 90 através das fitas K7 que o amigo Gus me trazia com a programação das rádios rockers da capital. O som dos caras me causava uma baita euforia e, revisando essa obra, percebi que até hoje me causa o mesmo efeito, quase 30 anos depois. Por isso, faz todo sentido pra mim usar o termo… banda Foda!
Mas, tem um porém… em novembro de 1999 chegava às vídeo locadoras o filme que deu uma fundida na minha cuca. Confesso que após assistir Matrix eu realmente queria acreditar que fazia parte de uma realidade virtual induzida, olhei para o céu e pensei… cara, isso tudo é uma mentira, meu corpo está em um berçário gerando energia para as máquinas… o disjuntor deu uma caída aqui, mas logo voltou.
Não sei se vocês concordam comigo, mas o conceito desse filme é altamente filosófico. Estou falando do primeiro filme da trilogia Matrix e, como imagino que todos já o assistiram, vamos lembrar da cena final.
Neo está em uma cabine telefônica, ele acaba de se reconectar com a Matrix, mas agora é diferente: ele sabe que tudo aquilo é uma simulação e está convencido de que é o tal escolhido que Morfeu profetizou.
Neo caminha entre os transeuntes e contempla todas aquelas pessoas escravizadas pelas máquinas. Ele se tornou a única esperança da humanidade e tem a pesada missão de por fim à guerra contra as máquinas.
Neo coloca seus óculos escuros, olha para o céu e simplesmente… voa… ao som de Wake up!
Cara, essa cena é foda demais! Eu me arrepiei inteiro aqui só de lembrar. E esse som? Aquela agressividade sonora era rebeldia pura, simbolizando perfeitamente o início da revolta contra as máquinas.
Foi a partir daí que eu fiquei obcecado em saber mais sobre a banda. Vale lembrar que acessar a internet e dar um Google não era uma opção na época. Então, passei a comprar qualquer revista que vinha com uma foto do Rage na capa, até que finalmente descobri o significado do nome da banda e tudo passou a fazer sentido para mim, pois o nome explica o conceito por trás do Rage Against The Machine, e é por onde eu quero começar a nossa história…
Ao pé da letra o nome “Rage Against The Machine” significa “Fúria Contra a Máquina”. Mas, a que tipo de máquina eles se referem? O termo dá margem para mais de uma interpretação. Vou destacar duas:
A primeira é uma referência ao sistema político que rege as relações sociais em todas as sociedades capitalistas, ou seja, a máquina pública.
A segunda é uma referência às máquinas de que fazemos uso corriqueiramente nas tarefas profissionais, domésticas e de entretenimento.
A primeira interpretação é uma ideia já amplamente difundida; já a segunda interpretação ganhou notoriedade durante um movimento que ficou conhecido como Ludismo, que ocorreu na Inglaterra no século XVIII, período em que ocorreu a Revolução Industrial no Reino Unido e que influenciou o nascimento de movimentos progressistas, que embalaram intensas transformações sociais, políticas e econômicas.
A industrialização havia trazido consigo mudanças no modo de produção e tensas relações entre a burguesia, que eram os donos das fábricas, e os trabalhadores, que eram os que vendiam sua força de trabalho em troca da sobrevivência.
Essas indústrias estavam começando a substituir a produção artesanal pela mecânica, proporcionando, assim, um aumento significativo na velocidade de produção diária. Esses avanços enriqueceram ainda mais os capitalistas burgueses, mas os trabalhadores foram simplesmente excluídos desse enriquecimento e, pior, quanto mais mão de obra a burguesia tinha, menos condições eles davam aos trabalhadores, numa cruel forma de manter a natalidade sob controle.
Esses trabalhadores viviam e trabalhavam em condições subumanas, com jornadas que podiam chegar às 18 horas diárias.
Para piorar, as máquinas industriais ficavam cada vez mais eficientes e a mão de obra operária, gradativamente, ia sendo substituída, gerando milhares de desempregados e famílias famintas.
Até que… em 1811 os trabalhadores resolveram reagir e essa revolta ficou conhecida como o movimento de quebra de máquinas, no qual trabalhadores invadiram as fábricas à noite e quebraram as máquinas com golpes de martelos.
Para esses trabalhadores a lógica era primária: eles acreditavam que as máquinas eram as responsáveis pela situação de exploração, desemprego e fome. E agiram instintivamente. Esses quebradores de máquinas ficaram conhecidos como ludistas, nome que deriva de Ned Ludd, um dos organizadores do movimento. Logo, o Ludismo se espalhou da Inglaterra para outros países europeus e hoje é matéria obrigatória para os novos historiadores, afinal, o Ludismo foi o primeiro movimento operário de reivindicação de melhorias nas condições de trabalho.
Você talvez pode estar pensando que eram sindicalistas motivados por discursos políticos, mas é importante frisar que os trabalhadores ainda não tinham essa consciência de que aquilo se tornaria um movimento político no futuro. Eles simplesmente se enfureceram contra as máquinas, quando deveriam ter protestado contra o sistema capitalista, que era o verdadeiro responsável pela exclusão social.
Em 1990 quando o guitarrista Tom Morello conheceu o rapper Zack de la Rocha ele escrevia uma música chamada “Fúria contra a máquina”, inspirado por esse conceito histórico que eu narrei. E, assim, resolveram batizar a banda Rage Against The Machine.
Mas, “pera” lá, Gilsão. Você quer dizer, então, que um roqueiro e um rapper muito doidos se envolveram em causas políticas e isso deu certo? Quero dizer, não… estou afirmando. Deu muito certo! E os caras não eram apenas músicos fodas não… Um era antropólogo e o outro cientista político… Duvida?
Essa militância tem história. Começou em 1952 no Quênia, enquanto um grupo de guerrilheiros lutava pela democratização de seu país, e ficou conhecida como a revolta dos Mau-Mau. Um desses guerrilheiros se chamava Stephen Ng’ethe Njoroge. Ele acabou se tornando um diplomada e mudou-se para Nova Iorque ao lado da historiadora e professora americana Mary Morello. Casaram-se e tiveram um filho, Thomas Baptist Morello, mais conhecido como Tom Morello, o guitarrista dos barulhos estranhos…
Tom Morello nasceu no dia 30 de maio de 1964. Ele cresceu em um ambiente altamente politizado. Seu tio avô foi o primeiro presidente eleito do Quênia. Desde o colégio, Tom já organizava movimentos estudantis politizados e, influenciado por seus pais, ele se envolveu tanto com causas sociais que acabou indo estudar em Harvard, onde se graduou com honras em Ciências Política.
Porém, Tom tinha outra paixão: a música. E, durante a universidade, ele praticava sua guitarra de duas a quatro horas por dia. Assim que se formou, resolveu se mudar para Los Angeles, o lugar onde estava acontecendo uma revolução musical…
Ao chegar a Los Angeles, Tom Morello narra ter passado um perrengue danado, a ponto de até aceitar trabalhar como stripper. Mas, logo conseguiu emprego no escritório do senador dos Estados Unidos Alan Cranston. No entanto, essa foi uma péssima experiência para ele, e o fez sentir a podridão política na pele. Foi quando Morello decidiu nunca mais seguir essa carreira. Ao invés disso, mergulhou de cabeça na música. Ele já tinha tocado em algumas bandas covers de Led Zeppelin, inclusive cantando, e acabou entrando na ascendente banda de funk rock californiana Lock Up. Se liga como era o som:
Os Lock Up tinham contrato assinado com uma gravadora e faziam muitos shows, mas em 1991 a banda se separou. Foi quando Morello passou a dar aulas de violão e começou a peregrinação em busca de integrantes para montar uma nova banda. Um belo dia ele viu um jovem mandando suas rimas na rua e ficou de cara com aquele hip hop politizado. Foi assim que surgiu a ideia de misturar rap com heavy metal. Imediatamente Morello chamou esse rapper para trocar uma ideia e lhe fez a proposta. Seu nome era Zack de La Rocha.
Zack é Zacharias Manuel de la Rocha. Ele nasceu em Long Beach, Califórnia, no dia 12 de janeiro de 1970. Seu pai é o mexicano “Beto” de la Rocha, um famoso artista plástico muralista e devoto religioso que se casou com Olivia Lorryne Carter. Detalhe, o avô paterno de Zack, Isaac de la Rocha Beltrán, assim com o pai de Tom Morello, também foi um revolucionário que lutou na Revolução Mexicana.
Quando Zack tinha seis anos seus pais se divorciaram e ele foi morar com sua mãe em Irvine, Los Angeles, uma cidade de população predominantemente branca e racista. Zack frequentou a Universidade da Califórnia e se formou PHD em antropologia, mas o mesmo narra que sofreu muito preconceito na faculdade, principalmente por ser descendente de latinos. E, antes de falarmos do encontro que uniu os dois furiosos, vale lembrar que Zack tinha um grande amigo de infância, Tim Commerford, que no futuro viria a se tornar o baixista do Rage Against The Machine.
Nascido no dia 26 de fevereiro de 1968, em Irvine, Timothy Robert Commerford é filho de um engenheiro espacial e uma professora de matemática. Na quinta série ele conheceu Zack. Nessa época, sua mãe foi diagnosticada com câncer e um tempo depois faleceu. Mas, a história mais triste é que o pai de Tim abusou dele durante o período em que moravam juntos em Irvine.
Tim se transformou em um garoto quietão e sinistro, até que Zack lhe apresentou a música. Eles ouviam muito rock-and-roll e logo começaram fazer um som juntos. Zack tocava guitarra e apresentou o baixo elétrico ao amigo, que logo encontrou uma salvação na música se interessando pelo jazz.
No final dos anos 80, Zack montou o Inside Out, uma banda de hardcore cheia de fúria e mensagens… se liga como era o som deles
Além do som furioso, o Inside Out tinha letras de cunho espirituais, conceitos filosóficos escritos por Zack e o guitarrista Vic, que no futuro participaria do Shelter uma banda punk hardcore Hare Krishina que eu acho demais, cara. Mas a banda do Zack, o Inside Out, gravou apenas um disco antes de se separarem e ele ficou um tanto frustrado, passando a fazer apresentações solo na rua e se dedicando ao hip hop. Suas influências eram Public Enemy, Run-DMC, Bad Brains e até Beastie Boys. Zack mandava umas rimas altamente filosóficas. Ele teve altos conflitos com o pai devido ao fanatismo religioso e inegavelmente havia se tornado um cara revoltado. Mas Zack jamais poderia imaginar que essa revolta chamaria a atenção de um cara que tentava montar uma nova banda, Tom Morello.
Como eu sempre digo aqui no clube, o conceito é muito importante para os grupos musicais, e foi discutindo sobre política que Zack e Morello profetizaram uma possível mistura de rap com heavy metal. Sem dúvidas uma boa ideia, pois era até então algo inédito. Para integrar a banda, Zack convidou o baixista e amigo de infância Tim Commerford, e Morello convidou Brad Wilk para assumir a batera.
Bradley J. Wilk nasceu em Portland, Oregon, em 1968. Na adolescência Brad assistiu a um documentário sobre a banda The Who e ficou fascinado pelo lendário baterista Keith Moon, a ponto de decidir seguir carreira com a música. Brad narra que seu pai era obcecado pelo sonho americano de ganhar dinheiro e ficar rico. Isso lhe causou um efeito contrário, e encontrou refúgio na bateria. Ele queria apenas tocar. Em 1989 se mudou para Los Angeles e fez teste para várias bandas. Uma delas era a ex-banda de Morello, o Lock Up, que acabou antes mesmo que Brad assumisse. Suas referências de Keith Moon e John Bonham haviam impressionado Morello, que sempre foi fã do Led. A grande curiosidade é que Brad Wilk havia acabado de fazer um teste para uma outra banda que logo viria a se tornar o Pearl Jam, mas quem chegou primeiro foi Tom Morello e o contratou. Estava formada a banda mais foda do universo… o Rage Against The Machine.
Inicialmente iriam fazer apenas dois shows para ver se rolava a química e tal, mas acabou virando uma turnê… Zack havia escrito uma música chamada Rage Against The Machine e, apesar de nunca ter entrado no repertório, acabou batizando a banda. Era o início da Fúria contra a máquina…
Parecia que tudo havia se encaixado. Morello, além de tudo, era um guitarrista inovador. Desde Jimi Hendrix e Eddie Van Halen não surgia um guitarrista tão abusado quanto ele. Os sons eram espaciais, os timbres esquisitaços, mas jamais Morello perdia o peso do rock-and-roll. Seus riffs eram matadores… aliás, digo mais, Tom Morello, é um dos maiores guitarristas de todos os tempos, na minha humilde opinião. Mas, antes ele tinha que provar isso, e os caras ficaram tão empolgados com o conceito que haviam idealizado, que as canções simplesmente brotaram. Foi uma explosão de inspiração. Então alugaram um estúdio em Irvine e registraram 12 músicas:
Esta pedrada aí que estamos ouvindo se chama Autologic e faz parte da Demo tape que revelou o Rage Against, apesar de não ter entrado no disco…
Juro, todas as gravadoras se interessaram por esse novo som. Era o tal Rap Metal e, apesar do Beastie Boys, Faith No More, Red Hot Chili Peppers e Run-DMC já terem feito algo parecido, especialistas dizem que o estilo só foi oficializado com o surgimento do Rage Against The Machine, que depois influenciariam uma porrada de bandas como o Limp Bizkit, o Linkin Park, o Korn, o Slipknot e tantas outras. Aqui no Brasil, por exemplo, quem bebeu muito dessa água foi o Charlie Brown Junior e claro, o Planet Hemp. Mas, eu seria injusto comigo mesmo se não reverenciasse uma outra banda do mesmo estilo, muito foda, que não fez tanto sucesso, mas estava ali, surgindo quase que ao mesmo tempo… estou falando do Body Count. Cocão, um trechinho só pra matar a saudade…
Voltando aos protagonistas da nossa história, lembro que, até a demo do Rage Against fez muito sucesso. Eles venderam 5 mil cópias de forma independente e, naquele K7, já estavam os grandes clássicos em versões muito próximas das que foram lançadas. Isso prova que o Rage não precisava ser produzido. Pelo contrário, precisavam de liberdade de criação e, como receberam propostas de várias gravadoras, puderam escolher assinar com aquela que lhes desse maior controle criativo sobre a obra, afinal, eles iam questionar o capitalismo americano e gravadoras eram o puro creme do capitalismo. Mas, para dar certo, o Rage precisava estar inserido no mercado capitalista da indústria musical… Pode parecer conflitante, mas faz todo sentido se você analisar que só se pode mudar um sistema aparelhado, estando dentro dele…
Cheios de moral, a gravadora escolhida foi a Epic Records, filial da Sony Music, e seus dirigentes resolveram mandar o Rage para o Sound City Studios. Cara, aquele lugar era onde a magia sonora acontecia. Lá foram paridos os grandes discos dos anos 90 como Nevermind do Nirvana, One Hot Minute do Red Hot Chilli Peppers, assim como o primeiro do System Of A Down… Para produzir o Rage no Sound City, a gravadora contratou GGGarth. Foi ele que refinou os timbres e apertou o rec, deixando a fúria rolar solta…
E foi assim, no dia 3 de novembro de 1992, que o primeiro álbum homônimo do Rage Against The Machine chegou ao mercado capitalista americano. Era surreal, agressivo e rasgado… praticamente como um coquetel molotov estilhaçando a janela e botando em chamas a sala de estar do tio Sam…
Bombtrack abria o álbum com muita fúria. Zack dizia:
“Putas e senhorios do poder No meu povo eles deram voltas Dispute seus ternos que eu acendo E então assista eles queimarem… Queime, queime, sim vocês vão queimar”
A primeira camiseta da banda continha um tutorial ensinando como fazer um coquetel molotov. E, além dessa primeira faixa, Bombtrack, ser literalmente uma bomba, a capa do single vinha com uma foto do Che Guevara escancarando as influências políticas da banda.
Claro que se esse disco não fizesse sucesso ninguém ia nem ligar. Mas, cara, esse primeiro álbum do Rage ganhou platina tripla, vendeu mais de três milhões de cópias só nos EUA e está entre os 100 melhores discos de heavy metal de todos os tempos. Daí, meu irmão, a mensagem dos raivosos não teve como ser ignorada.
Nós temos que pegar o poder de volta. We gotta take the power back… Essa música faz referência a uma organização radical da década de 70, cujo objetivo declarado era a derrubada violenta do governo dos Estados Unidos. Para o Rage, a revolução era necessária, mesmo se custasse o sangue de inocentes, e eles já estavam sangrando, só faltava ferir a intocável máquina americana. E isso de certa forma aconteceu quando Killing In The Name, a canção de maior impacto do álbum, teve uma enorme repercussão na mídia, se tornando a mais conhecida canção da banda. Mas, aguenta aí que daqui a pouco falamos sobre ela.
Enquanto isso, presta atenção no final dessa música aqui…
O sonho americano nunca havia sido confrontado a esse nível.
Aquilo era arte? Indagavam os conservadores americanos, perplexos com o escarro nas palavras de Zack De la Rocha.
Por acaso, a Califórnia é berço do sonho americano. Em 1849, a descoberta do ouro trouxe mais de cem mil homens para a Califórnia em procura de fortuna da noite para o dia. E muitos a encontraram. Assim nasceu o California Dream, um sonho de riqueza que se espalhou por todo o país como o Sonho Americano… o sonho de homens e mulheres em acumular fortunas.
Mas os americanos evoluíram o entendimento sobre Sonho Americano, transformando-o no sonho de uma terra em que a vida deveria ser melhor, mais rica e mais completa para todos os homens, cujas oportunidades seriam conquistadas de acordo com a capacidade de conquista. A tal da meritocracia.
Só que, para o Rage, o Sonho Americano era um pesadelo. Simbolizava a ignorância, hipocrisia e brutalidade na valorização da elite branca. E, através do som, conseguiam esfregar tudo isso na cara de seus algozes.
A capa desse álbum era tão impactante quanto as músicas. Ele vinha com a foto de um monge budista pegando fogo. Uma foto real, tirada em Saigon, no Vietnã, em 1963 durante um protesto budista ao governo vietnamita de Ngo Dinh Diem, um ditador vietnamita que apoiava os americanos.
Como forma de protesto, um monge simplesmente ateou fogo em seu próprio corpo e se manteve sereno meditando enquanto era consumido pelas chamas. Essa ação foi testemunhada e filmada pela mídia americana, e a comoção acabou por dar fim ao regime político vietnamita que apoiava o governo americano. Logo, guerrilheiros vietnamitas se organizaram e a história nos diz que botaram o tio Sam, o senhor da guerra, para correr do Vietnã na sua mais humilhante derrota em uma guerra.
Em 1993, poucos meses após o lançamento do primeiro disco, o Rage foi convidado para o Lollapalooza, um evento que chamou a atenção de toda a indústria musical mundial. E não só isso: o Rage foi convidado para abrir o festival no palco principal.
Por acaso, nessa mesmo época, todas as músicas do Rage foram carimbadas com o Parental Advisory, um aviso aos pais americanos sobre conteúdo sensível aos jovens, mas para a banda, essa classificação era uma ação organizada que vinha disfarçada por um movimento político do então candidato republicano que usava e abusava dos conceitos conservadores para inibir e criminalizar músicas contestadoras demais, como as do Rage Against The Machine.
Esse Lollapalooza se tornou histórico, porque ao invés de subirem ao palco e fazer o que sempre faziam, discursos politizados e performance furiosas, a banda fez um protesto à censura, subindo ao palco, completamente pelados, usando apenas um esparadrapo na boca e lá ficaram imóveis por 15 minutos em frente à imensa plateia. No peito de cada integrante estava pintado uma letra que juntas formavam a sigla PMRC, que significa Parents Music Resource Center, o comitê responsável por analisar e carimbar os conteúdos considerados violentos ou sexuais.
Foi uma jogada muito inteligente e chamou a atenção de toda a mídia, porém existem boatos de que a motivação do protesto foi outra. A banda havia acabado de voltar de uma insana turnê europeia onde fizeram até dois shows por noite e isso havia acabado com a voz de Zack. Dizem que ele estava completamente mudo e por isso fizeram o protesto.
Acreditem, existem muitas outras histórias doidas do Rage, mas infelizmente não serão narradas nesse episódio. Vamos ser econômicos e, a partir de agora, falaremos sobre o que realmente interessa: Killing in the name.
Alguns dos que estão no poder São os mesmos que queimam cruzes
Logo nos primeiros versos da letra uma referência direta à Ku Klux Klan, o grupo terrorista de supremacia branca que assombrou os Estados Unidos por décadas e dizem que existe até hoje. Eles eram famosos por queimarem cruzes durante a noite e o faziam como forma de intimidação.
Os Estados Unidos são um país cuja história é manchada pelas políticas de segregação racial. Sempre existiram indícios do envolvimento de membros da polícia e do exército com a Ku Klux Klan e isso, sem dúvida, mancha a imagem de qualquer instituição.
Reparem, repetindo apenas dois versos, Zack consegue fazer uma crítica cabulosa sobre a segregação e os interesses dos poderosos que fecham olhos ao racismo institucionalizado, que mancharam o conceito de liberdade dos americanos.
Matando em nome de… ?
O mais interessante nesta passagem é que ela fica em aberto, como uma reflexão: matando em nome de quem? A letra deixa claro que existe um assassino e ele cometeu e continua cometendo esse crime, mas em nome de quem o faz?
“E agora você faz o que te mandaram”
A repetição desta frase nos deixa inquietos… como se nos obrigasse a encarar a realidade.
“Mas agora você faz o que te mandaram”
“Então agora você faz o que te mandaram” e finalmente entra o refrão:
“Aqueles que morreram estão justificados Por usarem o distintivo, eles são os brancos escolhidos Você justifica aqueles que morreram Por usarem o distintivo, eles são os brancos escolhidos”
No refrão, o sujeito lírico da canção procura expressar o ponto de vista dos agressores, o modo como eles pensam e falam: afinal, acham que estão certos e defendem que os seus assassinatos são justificáveis. Eles realmente acreditam que são superiores e que um distintivo policial ou o status social os tornam “privilegiados”
E agora você faz o que te mandaram Mas dessa vez, tem uma resposta (Você está sob controle)
Isso nos lembra que estamos vivendo sob o domínio de figuras autoritárias, repressoras e violentas; que proliferam os preconceitos da sociedade. Estamos sob o domínio de instituições treinadas para defender o estado e não o povo.
Segundo o Rage, a nossa falta de autocontrole nos leva a uma conduta passiva e pouco crítica que, com o passar dos anos, normalizou a violência e a opressão, ao ponto de uma morte por abuso de autoridade ser parte do cotidiano.
Mas eles têm a solução para despertar a sua fúria… e como em uma briga de empurra, começa sussurrada em tom de ameaça:
“Foda-se, não vou fazer o que você manda”
E esse libertador foda-se é repetido por 16 vezes, até se tornar um grito de guerra.
A mensagem é anarquista e direta: o Rage Against The Machine colocou seu público de punhos cerrados a questionar as regras e a confrontar as forças policiais acerca de seus atos violentos e discriminatórios, contestando o poder desses agentes e, inclusive, os insultando em nome da liberdade de expressão…
Que pedrada… O preço da liberdade de expressão pode ser salgado, mas saibam que esse mesmo direito têm também os policiais americanos, que ficaram putos da vida com essa música. Apesar de a letra não generalizar, quando se refere a “alguns dos que estão no poder”, isso foi o suficiente para, em 1999, um grupo de 300 policiais organizar um protesto em frente ao Clube onde o Rage se apresentaria naquela noite. Em resposta a banda enviou aos policiais caixas de rosquinha.
Porém, vale lembrar que também existe um conceito histórico por trás dessa canção.
Killing In The Name foi composta seis meses após o caso Rodney King, um taxista afro-americano que foi espancado pela polícia de Los Angeles, em março de 1991.
Dizem que ele foi acusado injustamente de estar dirigindo embriagado e, por isso, foi preso. Na delegacia, ele foi espancado por vários agentes. O caso gerou comoção, mas os policiais envolvidos acabaram sendo absolvidos. A injustiça da decisão provocou a fúria da população negra, dando origem a três dias de conflitos com a polícia.
Sob a influência desses conflitos em Los Angeles, o Rage compôs o que muitos consideram um hino contra a brutalidade policial e seus meios de intimidação.
Mas o que torna essa música tão empolgante? É impossível ficar inerente ouvindo Killing In The Name em alto volume… concorda? Na minha opinião, a banda toda manda muito bem, mas a guitarra de Tom Morello é brutal. Ele narra que, um belo dia, estava em seu apartamento dando aulas de violão para levantar uns trocos, quando o riff surgiu. Ele parou tudo, ligou o gravador e registrou o riff e, como vocês sabem, esse veio a se tornar um dos mais poderosos riffs de guitarra de todos os tempos.
Outro fato que é impossível passar desapercebido em Killing In The Name é o solo de guitarra de Morello. Ele conta que estava influenciado pela mistura de ritmos e queria deixar a banda com uma sonoridade eletrônica. Mas, detalhe, sem usar artifícios eletrônicos. Então, começou a passar as palhetas nas cordas, imitando o som de scratch. Logo, passou a misturar efeitos inusitados, até encontrar o pedal que é sua marca registrada, o Whammy, uma epécie de pitch shifter, que oitava as notas e pode ser controlado com o pé. Assim nasceu o inovador solo de guitarra de Killing In The Name
A revista americana Guittar Word elegeu Killing In The Name entre os 100 melhores solos de guitarra de todos os tempos. Mas, se você ouvir a versão demo, vai descobrir como era o solo antes do pedal whammy
Obrigado, Digitech! Antes de encerrar, saibam que Killing In The Name no seu lançamento soava mais ofensiva do que hoje, tanto que, na Inglaterra, muitas das rádios que a executaram receberam inúmeras ligações de ouvintes pedindo explicações sobre aquilo.
E, quando o vídeo foi lançado na MTV, logo acabou sendo banido da emissora. Deu pra vocês terem uma ideia do terror que causou?
Em 1999, durante uma apresentação da banda no festival Woodstock, eles queimaram a bandeira americana e, detalhe, os amplificadores de baixo queimaram junto sob gritos enlouquecidos da plateia. Nesta performance Zack de la Rocha muda a letra cantando “Alguns dos que estão no poder são os mesmos que queimam igrejas”.
E é assim, com essa versão inflamável e ao vivo de Killing In The Name que vamos chegando ao fim de mais um episódio do Clube da Música Autoral.
Antes de finalizar, não posso deixar de agradecer aos ilustres sócios diretores do Clube: Henrique Vieira de Lima, Caio Camasso, Emerson Silva Castro, Antônio Valmir Salgado Junior, Dilson Correa Lima, Mateus Godoy, João Jr Vasconcelos Santos, Luiz Machado, Lucas Valente, Camilla Spinola, Tiemi Yamashita e Marcelo Leonardo. Eles são mais que sócios: são diretores do Clube e nos ajudam muito a manter viva essa missão de levar boas histórias até vocês.
Se você quiser ser um sócio oficial do Clube, é só acessar o nosso site clubedamusicaautoral.com.br/assine e entender quais as vantagens que você recebe em troca do seu apoio.
Mas, se quiser ajudar de outra forma, basta compartilhar as postagens do Clube nas redes sociais indicando aos amigos. Estamos no YouTube, Facebook, Twitter e Instagram.
Beleza? Por hoje é isso! Espero em breve retornar com as histórias do Rage Against The Machine. Após o que foi narrado aqui, eles ainda gravaram mais três discos de estúdio, mas a banda infelizmente acabou em 2.000. A boa notícia é que em 2020 eles anunciaram o retorno… e quem sabe vem material novo. Olha, estamos precisando!
A edição do Clube da música Autoral é do Cocão, o Rogério Silva, e a produção é minha, Gilson de Lazari.
Foi um prazer falar de música com vocês e até a próxima!