Diário de um Detento, não é apenas um dos melhores RAPs nacionais, é também uma das principais manifestações artísticas sobre o massacre do Carandiru, de 1992.
Formato: MP3/ZIP
Tamanho: 51 MB
Se você gostou do Clube da Música Autoral, seja um sócio. Acesse: clubedamusicaautoral.com.br/assine e confira as vantagens que você recebe em troca do seu apoio.
Se você quiser, também pode nos ajudar fazendo um PIX. Utilize nosso email como chave: clubedamusicaautoral@gmail.com Qualquer valor é bem-vindo.
Roteiro e locução: Gilson de Lazari
Revisão: Camilla Spinola e Gus Ferroni
Transcrição: Camilla Spinola
Arte da vitrine: Patrick Lima e Caio Camasso>
Edição de áudio: Rogério Silva
Assine
Apple Podcasts
Google Podcasts
Spotify
Deezer
Amazon Music
Castbox
Podcast Addict
Pocket Casts
RSS
Ver Mais Opções
Fale Conosco
Facebook
Twitter
Instagram
WhatsApp
Telegram
Se preferir, escreva um comentário, ou envie um email para: clubedamusicaautoral@gmail.com
Playlists
Quer ouvir as músicas que tocaram neste episódio?
Confira a playlist no
Ou no Deezer
Hoje ,eu vou falar sobre a canção “Diário de um detento,” mas quero introduzir esse capitulo, falando também um pouco sobre mim mesmo.
Quando eu tinha 13 anos, mais ou menos, , conheci um cara que era DJ; fui até a casa dele para ouvir algum som novo e foi quando ele me mostrou dois discos, que haviam chegado pelos correios. Me lembro como se fosse hoje. Um deles, era o “Furacão 2000 internacional,” o outro tinha na capa, alguns presidiários, em uma espécie de cadeia super lotada. O DJ, olhou nos meus olhos e disse: ” esse disco aqui ninguém tem. Vou faturar uma grana fazendo cópias. Você vai querer?”
Era a época do mercado negro da fita k7; ou você tinha dinheiro para comprar um 3 em 1 da Gradiente e os discos para ouvir, ou você gravava fitas k7.
Eu tirei do meu bolso uma fita Basf de 46 minutos, usada e dei para ele, que olhou com desdém e colocou no tape deck, apertou ao mesmo tempo o rec, o play e o pause, armando a maquina para iniciar a gravação. O som da agulha arranhando o vinil, já era uma bela introdução, então liberou o pause do tape e sentou ao meu lado. Sem falarmos nada um pro outro, ouvimos o álbum inteiro, enquanto gravava. Foi inesquecível.
O estrago que aquele disco fez na minha vidinha de menino do interior, nunca foi reparado. A gente já ouvia RAP americano, mas não entendiamos as letras. Apreciar batida e letra, ao mesmo tempo, foi apenas com os “Racionais MCs,” que eu aprendi.
Quando comecei a escrever os episódios do Clube da Musica Autoral, me veio à mente, este disco chamado: “Raio X do Brasil” e a música, “Homem na estrada,” que eu cantava de ponta a ponta.
Porém, na virada do milênio, eu me mudei para São Paulo; fui tentar a sorte como músico e produtor. Em 2008, trabalhei na produção de um documentário, chamado: “Carandiru 16.”
Durante as gravações, conheci sobreviventes do massacre; coronéis graduados, que participaram da invasão, jornalistas que cobriram o caso, e até na casa do ex governador, Fleury, eu fui, para entrevistá-lo.
Não tinha como não me envolver. Foram retirados do Carandiru, 111 corpos, de detentos executados a sangue frio pela Policia Militar.
Fleury, em especial, me fez ver os Racionais de uma forma diferente. Com as câmeras desligadas, ele disse em off, que a música dos Racionais, havia acabado com a vida dele, pois não tinha mais paz. Sua casa, precisava ser vigiada 24 horas e ele, ainda recebia ameaças até hoje. “Me acusam de ter autorizado a invasão.” Disse o Ex Governador de São Paulo.
Impressionado com aquele relato, notei ao sair, que sua casa, era na verdade, uma fortaleza muito bem protegida, com seguranças e câmeras para todos os lados e foi aí que eu percebi, o poder que tinha a música dos Racionais MCs.
E não só por isso, também, por ser um dos melhores relatos sobre o massacre do Carandiru, que no sexto episódio do Clube da Musica Autoral, falaremos sobre Diário de um Detento.
Antes de arregaçar as mangas, para também vasculhar a história dos Racionais MCs, queria agradecer, a todos que acompanham o Clube e mandam elogios e dicas de novos temas. Quem quiser também interagir e enviar um relato sobre algum episódio do Clube, fiquem à vontade; eu divulgarei os melhores aqui nos próximos capítulos.
Quero também lembrar, aos aventureiros, que esse Clube é eclético. Se hoje falo de uma das maiores canções do Rap nacional, nos episódios anteriores, já falei sobre o rock de Chuck Berry, do samba moderno de Djavan e de outras pérolas, da música nacional e mundial.
Se você perdeu algum, é só acessar o site do Clube; lá, você encontra todos os episódios e os detalhes sobre cada um deles. Não deixe também de acompanhar o clube nas redes sociais. Estamos no Twitter, no Facebook e no Instagram. É só digitar: “Clube da Musica Autoral” na busca, que você já se tornará membro desse clube e não vai se arrepender, porque só rola conteúdo da hora e curiosidades sobre as músicas que amamos.
Se preferir, posso te enviar os episódios pelo WhatsApp, também em primeira mão. É fácil, clique no link que está na descrição desse episódio e seja um assinante do Clube, recebendo os novos episódios no seu smartphone, para ouvir quando quiser.
Mas se você ouve pelo iTunes e gostou do Clube, não esquece de deixar uma avaliação positiva e uma recomendação para me ajudar a espalhar música boa por aí.
Recados dados, quero deixar um alerta sobre linguajem vulgar, que pode rolar nesse podcast, e lembrar que a realidade na periferia é outra. Muitas atitudes narradas aqui, não serão questionadas. Todas as informações, foram garimpadas na internet e muitas são baseadas em relados não oficiais, já que os próprios Racionais, nunca divulgaram uma versão oficial sobre o surgimento do grupo.
Para entender a história dos quatro manos da periferia de São Paulo, nós precisamos sair um pouco da nossa zona de conforto e entrar num mundo diferente, o mundo dos “Racionais MCs.”
Você está ouvindo: “Corpo Fechado,” de “Thaíde e DJ Hum.” Esse som, saiu no LP coletânea: “Hip-Hop Cultura de Rua,” de 1989.
O Hip-Hop, surgiu nos Estados Unidos, mais precisamente, em áreas centrais, da cidade de Nova Iorque. Junto com ele, nasceu a cultura de rua, os grupos de breaking dance, o grafite e movimentos populares, de combate à desigualdade social.
No final dos anos 70, o Brasil, vivia a onda da Black Music e a recém chegada Disco Music ,que influenciaram sutilmente, o surgimento dos primeiros grupos de dança de rua, aqui no Brasil.
Na cidade de São Paulo, por volta de 1985, um movimento popular, teve início; o “Breaking Dance,” ou como eram popularmente conhecidos: “os dançarinos de rua da estação São Bento.”
A praça em frente da estação, começou a ser frequentada por simpatizantes da black music e do recém anunciado, HIP-HOP, pois, eram os estilos preferidos, dos dançarinos de Breaking Dance.
Logo, também passaram a frequentar o local, skatistas, grafiteiros e rappers.
Thaíde, foi um dos pioneiros da rima na São Bento. Os dançarinos, tinham muitas limitações, e nem sempre conseguiam usar seus micro-systems móveis na praça, porque não tinha energia elétrica e as pilhas duravam pouco. Então, batendo nas latas de lixo, começaram a cantar, imitando os rappers americanos. Logo, quem tinha maior capacidade de unir as frases, passou a desenvolver letras e assim, numa praça de São Paulo, jovens, que frequentemente eram marginalizados pela polícia, cantavam as primeiras rimas do Rap nacional.
Logo, o movimento se tornaria tão intenso, que emissoras de TV passariam a frequentar a praça, quase que diariamente, mostrando a nova cultura de rua.
Em 1987, a gravadora “Eldorado,” convidou alguns rappers da São Bento, para gravar a coletânea: “HIP-HOP Cultura de Rua,” que além de Thaíde e Dj hum, também contava, com “MC Jack” e os grupos: “O Credo” e “Código 13.”
O disco, só foi lançado no ano seguinte, por causa da canção: “Minha Mina,” de MC Jack, onde havia uma citação de: “Você,” música de Tim Maia, que não liberou os direitos autorais. Mil e quinhentas cópias, tiveram que ser destruídas, causando atraso no lançamento.
Hip-Hop Cultura de Rua, chegou as lojas em 1988. Logo nos primeiros meses de venda, já tinham batido a incrível marca de 60 mil cópias vendidas. Para um estilo marginalizado pela classe média, além de notável, também abria definitivamente as portas para o Rap brasileiro.
Por acaso, nesse disco a produção musical foi assinada pela dupla até então desconhecida: “André Jung” e “Nazi,” ambos do “Ira.”
Enquanto isso, no Capão Redondo, extrema Zona sul de São Paulo, outro movimento estava sendo formado. Dois amigos, que frequentavam os encontros da São Bento, decidiram também fazer RAP; esses eram: “Paulo Eduardo Salvador” e “Pedro Paulo Soares Pereira.” Logo que começaram a escrever suas primeiras letras, assumiriam os pseudônimos de: “Ice Blue” e “Janes Brown,” que depois, assumiria como: “Mano Brown.”
Simultaneamente, na Zona Norte de São Paulo, outros dois garotos, tentavam levantar uns trocados, tocando em festas de Breaking dance e Hip-Hop; seus nomes… “Edivaldo Pereira Lopes” e “Kleber Geraldo Lelis Simões,” mais conhecidos como: “Ed Rock” e “KL Jay.” A dupla, estava envolvida com a turma do “Clube do RAP,” que ficava, na Brigadeiro Faria Lima.
Contos do RAP, dizem que Mano Brown ,decidiu ser Rapper ao ver Thaíde, rimando na São Bento e ao lado de Ice Blue, criaram o primeiro grupo de rap, chamado: “B.B. Boys.”
Para unir as duplas, ainda faltava o envolvimento essencial de um outro disc Jokey, mais velho e experiente, da geração Black Music, chamado: “Milton Sales,” que também era um agitador cultural e promotor de eventos.
Milton, passou a comprar equipamentos profissionais, para os DJs da periferia. Um desses, era KL Jay, ao qual, Milton, entregou uma mesa de som e uma bateria eletrônica. E mesmo sem que ele ainda soubesse manuseá-las corretamente, lhe apresentou, Mano Brown e Ice Blue, intimando para que produzisse o beat do RAP dos BB Boys. Ouça esse raro RAP, que é um embrião do que viria pela frente.
Após produzir os BB boys, KL Jay e mano Brown, firmaram uma grande amizade e passaram a trabalhar juntos, como office-boy, num escritório, no Centro de São Paulo. A realidade, no Capão, era dura. Mano Brown, cresceu sem pai, e muito jovem, já trabalhava como empacotador de super mercado. Ele, cresceu junto com o pagodeiro: “Netinho de Paula,” na Koab, que seguiu rumos diferentes na música e nos ideais políticos.
KL Jay e Ed Rock, haviam feito uma audição e foram selecionados para participarem de uma coletânea de Hip-Hop, chamada: “Consciência Black, Vol 1,” organizada por um selo independente, chamado: “Zimbabwe Records.” Através da influência de Milton Salles, Mano Brown e Ice Blue também foram incluídos, com sua nova música, chamada: “Pânico na Zona Sul.”
A dupla do Capão Redondo, já começava a denunciar a realidade do sub-mundo, nas favelas da Zona Sul. A conscientização política do grupo, teve forte influência de Milton Salles, que entregou aos garotos, livros sobre a vida e as lutas de “Malcolm X.” Diferente de Martim Luther King, que defendia a paz e a união das raças, Malcolm X, era mais ofensivo e defendia o combate e ofensivas, como forma de conscientização dos direitos iguais, entre negros e brancos.
O nome, BB Boy, não fazia mais sentido para Brown, que resolveu trocá-lo. Ele, gostava da mensagem que Tim Maia havia divulgado no seu disco, de apelo espiritual, chamado: “Tim Maia Racional” e sugeriu para KL Jay e Ice Blue, o nome: “Racionais MCs.” Eles, não curtiram muito no início, mas devido a insistência de Brown, acabou ficando. E assim, o nome surge pela primeira vez, dando autoria a canção: “Pânico na Zona Sul,” na coletânea: Consciência Black.
Com o atraso na distribuição, da outra coletânea: HIP-HOP Cultura de Rua, A Coletânea Consciência Black Vol 1, foi lançada quase que simultaneamente; chegou nas lojas, apenas uma semana depois. Mas, por ser uma gravadora independente, não teve o mesmo impacto de vendas. Panico na Zona Sul, foi o destaque do disco e a canção: “Tempos Difíceis,” de Ed Rock, fechava o álbum.
A coletânea, abriu algumas portas e conforme os shows começaram a pintar, Brown e Ice Blue, até então sem DJ, passaram a convidar KL Jay para as apresentações, então, aconteceu o inevitável e Ed Rock, também entrou para o grupo. Assim, a história do maior grupo de RAP do Brasil, começava a ser escrita. Os Racionais MCs, era um quarteto.
Estamos ouvindo: “Hey Boy,” do primeiro Disco solo dos Racionais MCs, lançado em 1990, com o título de: “Holocausto Urbano.” E assim ,como: “Conciencia Black,” também saiu pelo selo Zimbabwe, que começava a escrever sua história junto ao RAP independente.
“Holocausto Urbano,” acabou classificado como EP; um disco que contém menos faixas, porém, as musicas dos Racionais, eram longas, com uma média de 5 minutos cada uma.
No álbum, além das duas já lançadas anteriormente na coletânea, vinha Também com as inéditas: Beco Sem Saída, Hey Boy, Racistas Otários e Mulheres Vulgares.
Na capa, estavam quatro jovens, vestidos com roupas do dia-a-dia, em uma viela de São Paulo, sem maquiagem, sem sorrisos gratuitos, sem poses e com uma postura ameaçadora.
Sem nenhum tipo de divulgação externa, nas rádios ou grandes mídias, o disco se espalhou e rapidamente, suas 6 canções, viraram hinos das comunidades.
Não se desafiava as autoridades naquela época e a Música Racistas Otários, é um marco da resistência nas comunidades, pois além de dar voz aos oprimidos, mandava um recado bem direto, para a polícia militar.
Após esse álbum, os Racionais MCs, tornaram-se figuras conhecidas, não só na cena rap da periferia paulistana, mas também em toda Grande São Paulo. Essa popularização, fez com que os integrantes, passassem a desenvolver trabalhos voltados para comunidades pobres, dentre os quais, um projeto criado pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, no qual, o conjunto, realizava palestras em escolas sobre drogas, racismo, violência policial entre outros temas, dos quais, suas músicas defendiam.
Em apenas 1 ano de vida, os Racionais, já haviam feito mais pela conscientização dos problemas urbanos na periferia, do que todas as campanhas governamentais da época.
Mas esse, era só o começo do ativismo dos Racionais MCs. Eles, também participariam, de diversos concertos filantrópicos, em benefício aos portadores de HIV positivos, ações contra a fome, campanha do agasalho, além de encabeçarem protestos contra o racismo.
Em 1991, os Racionais, abriram o show do grupo de RAP americano: “Public Enemy;” um show histórico, no ginásio do Ibirapuera. Chuck D e turma, estavam no auge, após os lançamentos de: “Fear of a Black Planet,” e representavam como ninguém, a voz do ex líder, Malcolm X.
No ano seguinte, os Racionais, lançam um EP com apenas 4 faixas, que se chamava: “Escolha seu Caminho.”
O Ativismo, era a aposta certa dos Racionais e o disco, vinha com 3 versões de: “Voz Ativa;” uma versão Radio, sem palavrões, Uma versão Baile explícita e uma versão somente a capela. Brown, cobrava mais participação e lembrava que não queria ser um Mandela, apenas dar o exemplo enquanto, Ed Rock, afirma, que precisávamos de um líder, como foi Malcolm X.
O EP, ainda tinha mais uma faixa inédita: “Negro Limitado,” que satirizava, negros que não queriam se envolver com o ativismo.
A expectativa por um LP completo dos Racionais, era grande e isso aconteceu em 1993, com o lançamento do icônico: “Raio-X do Brasil.” Esse, é aquele álbum da história que eu contei no início. O Disco que embaralhou a mente de muitos jovens por aí, inclusive a minha. Já com apelo comercial alto, esse álbum, é um dos mais vendidos da categoria, RAP/HIP-HOP da época.
No lado A, a primeira faixa, é uma introdução com samplers de: “T Stands for Trouble,” de Marvin Gay, carregando o clima de suspense.
A faixa dois, é: “Fim de Semana no Parque,” mais um hino das comunidades. Depois, “Parte II” e a “Mano na porta do Bar.”
No Lado B, o clássico: “Homem na Estrada,” “Juri Nacional,” “Fio de Navalha” e uma faixa exclusiva, somente com agradecimentos, mostrando toda a humildade do grupo.
Raio-X do Brasil, foi lançado numa festa na quadra da escola de samba: “Rosas de ouro,” para um público estimado de 10 mil pessoas.
Talvez, um dos maiores disparates desse álbum, seja o sucesso popular, de Homem na Estrada, que transformou Mano Brown, em tudo que ele não queria; um ícone POP dos playboys (como ele mesmo chamava os jovens de classe média). Foi inevitável; jovens ricos, estavam turbinando o som dos seus carros importados, para desfilarem, ao som de Homem da Estrada; uma canção, que transmitia uma mensagem totalmente contrária aquilo tudo.
Racionais MCs, já influenciava toda a cena Rap do Brasil e em 1994, participaram do: “RAP no Vale,” um festival com os principais grupos da época, que reuniu mais de 5 mil pessoas no Vale do Anhangabaú.
O Clima ficou tenso, quando o grupo “MRN,” entrou no palco com a canção: “Eles não Sabem de Nada,” criticando a polícia militar, que por sua vez, parou o show e levou os integrantes para a delegacia, por incentivo a violência. O Clima ficou pesado; rolou muito quebra-quebra.
Os shows dos Racionais, são conhecidos pelos longos discursos de conscientização do mano Brown e novamente a polícia parou o show. Mano Brown, concordou em ir até a delegacia, mas antes… bom, é melhor vocês mesmos ouvirem o que ele falou no palco do RaAP no Vale – 1994.
Após 4 anos sem lançar nada, os Racionais, rompem com a Zimbabwe Records e em 1997, lançam o álbum: “Sobrevivendo no Inferno.”
Os Racionais, em parceria com R.Z.O, Conexão do Morro e outros grupos, fundaram seu próprio selo, o: “Cosa Nostra.”
Com liberdade total para produzir suas músicas, e até escolher o valor que seus álbuns seriam vendidos, Sobrevivendo no inferno, atingiu a incrível marca de quase dois milhões de discos vendidos. E segundo KL Jay, pelo menos, 500 mil cópias foram pirateadas. Os próprios Racionais, não se opuseram a pirataria desenfreada da época; segundo eles, isso fez o grupo atingir uma audiência ainda maior.
Doze faixas inéditas estão nesse disco, inclusive, essa versão de: “Jorge da Capadócia,” de Jorge Bem, com a batida de “Isaac Hayes;” que estamos ouvindo.
Após Brown, introduzir a segunda faixa, afirmando que, o que tem, é apenas uma bíblia velha e uma pistola automática. O clima do disco, é revelado tenso, com: “Capitulo 4, versículo 8.”
To ouvindo alguém me chamar, Rapaz comum e uma faixa instrumental, composta por ED Rock, antecede o ápice do disco.
Periferia é Periferia, Qual mentira vou acreditar, Mágico de Oz, Fórmula Mágica e Salve, que novamente trazia os agradecimentos do grupo, fechava esse que é considerado por muitos produtores musicais, o melhor álbum dos Racionais MCs. E isso, se deve provavelmente, a alta qualidade dos samplers usados por KL Jay e a técnica vocal dos rappers, que está mais apurada do que nunca, impostando suas vozes com perfeição. E além de transmitir as mensagens do RAP, transformaram esse disco, em um produto altamente comercial.
Mas, você pode ter sentido falta de uma canção aqui, não é?
Em uma de suas visitas, na casa de detenção São Paulo, popularmente conhecida como Carandiru, o maior presídio do Brasil, Mano Brown, recebeu um caderno de Jocenir, um condenado, que cumpria pena de 8 anos, por receptação de carga roubada.
No caderno, Jocenir, narrava o seu dia a dia e alguns detalhes do massacre de 111 presos, ocorrido em 1992. Através desses relatos, Mano Brown, escreveu o que hoje é considerado um dos melhores RAPs brasileiros e batizou como: “Diário de Um Detento.”
Diário de um Detento, é uma canção de quase 8 minutos; nos primeiros 5 minutos, Brown, narra a vida de um presidiário sem perspectiva, vivendo a margem da lei carcerária.
Brown, mostra logo no início, uma visão abrangente ao identificar o policial, como um “cidadão José,” alguém, cujo suas origens, não são muito diferentes de quem está ali encarcerado. Podem ser rivais, mas sofrem pelo mesmo motivo; um governo negligente e corrupto.
Jocenir, o coautor de Diário de um Detento, era uma espécie de carteiro do Carandiru. A população carcerária, era na sua maioria, analfabeta. Dentro do presídio, existe uma preocupação em comum… e é, a família. Jocenir, escrevia cartas para os familiares dos presos.
O Carandiru, foi inaugurado por “Jânio Quadros” em 1956, com o nome de: “Casa de Detenção São Paulo.” No início, foram construídos três pavilhões: o 2, 5 e 8, com capacidade total para 3500 presos provisórios, o que já tornava, o Carandiru, o maior presídio da América latina.
Com o crescimento carcerário, durante o regime militar, a Casa de Detenção de São Paulo, se transformou, em um verdadeiro depósito de presos.
Cada Governador que entrava, mandava construir mais um pavilhão e nos anos seguintes, foram entregues mais quatro pavilhões: o 4, o 7 e o 9, sendo este o último, o pavilhão 9, destinado a presos primários, entre 18 e 25 anos e de alta periculosidade.
Quando Brown, se refere ao malandro, que sangra até morrer na rua 10, ele se refere ao ponto de encontro no pavilhão 9, onde eram levados os presos que não seguiam as regras do presídio, para serem julgados. Muitos morriam lá mesmo.
As referências do dia a dia, de quem está condenado no pais das calças beges, seguem, e o TIC-TAC do relógio, que insiste em passar o tempo devagar, dão uma pausa, um respiro quando muda o sampler.
Sobrevivendo no Inferno, é o último disco dos Racionais, que usa samplers de canções já existentes. Essa que sugere a pausa, é um trecho da canção: “Mothers Sons,” de “Curtis Meyfield.”
Em todo o resto de Diário de um Detento, a base usada foi retirada da canção: “Easi In,” de “Edwin Star.”
O presídio, ficava próximo ao metro Carandiru, por onde passa a linha azul do metro. Quem estava no trem, podia ver os presos em suas selas, mas a pior sensação, era com certeza, a dos presos que viam a vida, passar a cada 3 minutos em vagões lotados, com pessoas cheias de oportunidades, que eles deixaram passar. Brown, lembra que muitos não suportariam essa vida e acabariam se suicidando.
Já ouviu falar de Lucifer? Que veio do inferno com moral? Não no Carandiru, aqui ele é só mais um.
Brown, faz a reflexão de conscientização aos que estão cometendo crime lá fora e se acham chefões do tráfico intocáveis. Cita as principais quebradas e avisa que pro governo, são apenas estatísticas
Então, entra Ice Blue em cena; ele, é o neguinho, que veio fazer a visita e trás informações sobre o pilantra Com Kadett vermelho, placa de Salvador, que Paga de gatão, com uma nove milímetros embaixo da blusa.
Então, somente aos cinco minutos de musica, Brown, começa a falar sobre o Massacre.
No diário, marca dois de outubro, um dia normal, que amanhece com sol e tudo funcionando, mas um acerto de conta, dividiria as facções, dando inicio a uma rebelião.
Antes de continuarmos, você precisa lembrar, o que foi o Massacre do Carandiru.
No dia 2 de outubro de 1992, as 10 da manhã, dois detentos: “Barba e Coelho,” começaram uma briga. Logo os presos, se dividiram em grupos e a confusão, se generalizou no pavilhão 9 que já era uma panela de pressão, prestes a explodir
As 14 horas, os carcereiros, já haviam abandonado o local. Os presos, atearam fogo nos colchões e o pavilhão estava dominado pelos presos. O chefe da Casa de Detenção, pede reforços da PM.
Uma hora depois, cerca de 320 policiais, estacionam fora do pavilhão 9. Entre eles, homens de batalhões de elite, como, ROTA, GATE, 30 Choque e Cavalaria. O diretor do presídio, Ismael Pedrosa, tenta uma última negociação Do lado de fora, mas é em vão.
As 16:00, a imprensa já está no local, transmitindo ao vivo. De alguma forma, presos, coceguem arremessar bilhetes dizendo que vão se entregar. Os familiares, chegam querendo informações e o caos, também se estabelece do lado de fora do presídio.
As 16:30, Sob suposta autorização do então Governador de São Paulo, Luiz Antonio Fleury, a polícia, rompe a barricada feita pelos presos e entra no pavilhão 9. Comandados pelo Ubiratan, mais de 300 homens, entram armados no pavilhão 9 (a maioria, sem os crachás de identificação).
No 1º andar, policiais, encontram nova barricada, com um preso morto pendurado de cabeça para baixo. Então, ouvem-se os tiros.
Na Versão da polícia, centenas de presos, preparam uma tocaia. Os Policiais, foram recebidos com facadas, e estiletes sujos, de sangue contaminado com HIV. Sacos cheios de fezes e urina foram atirados contra eles, que responderam atirando. Segundo Ubiratan, se houvesse intenção de exterminar os presos, muitos outros teriam morrido. Na versão do Coronel, apenas 26 presos foram mortos e destes, Só morreu, quem entrou em confronto com a polícia”.
Já na Versão dos presos, os detentos haviam se rendido e estavam dentro das celas desarmados. Mas os policiais, mesmo assim, paravam na frente das selas e atiravam. Segundo a perícia, 70% dos tiros, foram dirigidos na cabeça e no tórax, o que reforça, a ideia de extermínio. Para escapar com vida, presos se misturaram aos colegas mortos.
Cento e onze corpos, foram retirados do Carandiru, Apesar da insistência da promotoria, alegando que muitos outros corpos teriam desaparecido.
Segundo os legistas, das 111 vítimas, apenas 8 não morreram baleadas.
Nenhum policial morreu.
Praticamente, em todas as selas, rabiscado na parede ao lado, dos nomes dos filhos, escudos de time do coração e contagem dos dias pagos, estava o primeiro versículo do SALMO 23:
“O Senhor é meu pastor e nada me faltará.”
Onde muitos, morreram abraçados, de bruços.
O Coronel Ubiratan, foi julgado e condenado pela morte de 102 presos. Sua pena, foi estipulada em 632 anos, mas… ele havia se lançado na política e em 2002, foi eleito com mais de 50 mil votos para deputado estadual, usando o número na cédula, 111; uma clara provocação, aos que perderam seus parentes no massacre.
Com foro privilegiado, Ubiratan, foi julgado novamente e absolvido em 2006.
Alguns meses depois, foi assassinado a tiros, em seu apartamento.
Ainda hoje, Diário de um Detento, dos Racinais MCs, é considerada, uma das melhores visões artísticas sobre o Massacre do Carandiru. A obra, figura ao lado de filmes e séries como: “Carandiru” de 2003, de Hector Babenco e “O Prisioneiro da Grade de Ferro,” de Paulo Sacramento, também de 2003.
Entre os inúmeros livros publicados sobre o tema, está o best seler do Oncologista “Drauzio Varella,” que foi médico voluntário, no Carandiru, durante os anos 80 e “Diário de Um Detento,” o livro escrito por “Jocenir,” parceiro de Brown na musica.
Em 2009, A Rolling Stones, colocou Diário de um Detento, entre as 50 melhores musicas brasileiras.
E o álbum, Sobrevivendo no Inferno, é considerado, o décimo quarto melhor disco da musica brasileira.
O Disco, também foi escolhido pela cidade de São Paulo, para ser entregue ao Papa Francisco, em 2015. É uma tradição, que representantes das cidades visitadas pelo papa, lhe entregue um presente que simbolize o local. E devido as lembranças do massacre e as várias citações bíblicas, encontradas em Faixas do disco, como: “Genesis” e “Capítulo 4, Versículo 3,” O álbum que também aborda, questões relacionadas à desigualdade social e o racismo, foi escolhido.
Em 1998, foi lançado o vídeo-clipe: “Diário de um Detento,” gravado dentro do Carandiru. Com mais de 8 minutos de duração, faturou o VMB em duas categorias: Melhor vídeo-clipe de RAP e Escolha da audiência.
Depois de 46 anos de existência, o complexo prisional do Carandiru, foi implodido e em seu lugar, hoje, encontra-se o Parque da Juventude e o Museu Penitenciário Paulista.
E esse, foi o episódio 6 do Clube da musica autoral. Espero que você tenha gostado e caso eu tenha me esquecido de algum detalhe sobre a origem dos Racionais MCs, ou sobre o Diário de Um Detento, fique a vontade para me contar.
Para ter acesso a todas as informações sobre esse episódio e conhecer os demais temas do Clube, é só acessar o site do Clube.
Eu preciso da sua ajuda, para escolher os novos temas do Clube. A lista, que está com os possíveis novos episódios, você encontra no site. E para votar, vc precisa ser um sócio oficial do Clube. Isso vai te custar apenas 10 reais e dessa forma, você me ajuda com a missão de espalhar musica e suas histórias pelas redes.
O Clube, também está no Facebook, no Twitter e no Instagram. Basta digitar: “Clube da Música Autoral,” que você me encontra.
Meu Nome, é Gilson de Lazari e foi um prazer falar de música com vocês!