A reflexão sobre a obra de Belchior, transcende as músicas e os textos. E nesse episódio, vamos dar continuidade à história desse artista genial e conhecer o seu “Vício Elegante”.

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A história do migrante às avessas, que largou a batina e a medicina para viver tal como um hippie temporão no eixo Rio-São Paulo, é inspiradora. Bel só conquistou seu espaço na indústria musical, desafiando a autarquia da Musica Popular Brasileira. Ou você nunca reparou que “Alucinação”, o seu disco de assinatura, é um protesto ao comodismo cultural, que amarrava e estigmava nossos artistas em plena ditadura militar?

Apesar de ter deixado esse plano existencial, Belchior ainda hoje, continua mais vivo entre os jovens, do que entre os ex-jovens da sua época.
Youtubers, influencers e pensadores das novas gerações, postam frases e até canções inteiras do poeta cearense, como se tivessem intimidade com aquela época que não viveram. É que Belchior, amigos, oferece abrigo contra a capitulação, contra a deslealdade, a efemeridade do sucesso fácil, contra as fórmulas prontas, e principalmente, contra as armadilhas do império do dinheiro.

“Palavra e som, são caminhos para ser livre”. Belchior prometeu isso aos seus ouvintes, desde os mais anêmicos da realidade, até os vampiros da transitoriedade. Prometeu e cumpriu.

A reflexão sobre a obra de Belchior, transcende as músicas e os textos. E tão bom quanto analisar a obra, é conhecer a história do cearense de Sobral: “Antonio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes”, o maior nome da música brasileira.

E antes de irmos ao assunto, lembro que esse episódio, é a continuação do episódio 50 da quinta temporada, onde contamos a história do início da carreira de Belchior, até o lançamento de “Alucinação”, que é o grande clássico da sua carreira.

“Alucinação” é o nome dessa música, e também do disco lançado em junho de 1976, que mudou a vida de Belchior.

Os lançamentos chegavam nas lojas geralmente em novembro ou dezembro, para pegar carona nas vendas de natal. O fato de Alucinação ter sido lançado no meio do ano, dá indícios que a Polygram, talvez, não estava muito otimista com Belchior. Se lembrarmos que esse não é o seu primeiro disco, fica até compreensível.

A estreia de Belchior em um disco solo, aconteceu dois anos antes, em 1974, no álbum homônimo, lançado pela Chantecler, e que foi um fiasco de vendas, apesar de conter clássicos como: “Na Hora do Almoço”. E uma das minhas preferidas: “A Palo Seco”, que foi relançada em Alucinação.

Mas… foi somente em 1976, com Alucinação, produzido por “Marco Mazzola”, que Belchior teve o reconhecimento que merecia, aliás, ele superou a expectativa da gravadora ao vender 30 mil cópias só no primeiro mês, contabilizando a longo prazo, um total de 500 mil cópias vendidas, algo que para o mercado fonográfico dos anos 70, representa um enorme sucesso. Mas tudo isso, se deve ao sucesso de um outro disco, que deu carona para Alucinação, “Falso Brilhante” de Elis Regina, lançado poucos meses antes e também produzido por Mazzolla.

Inicialmente, Elis, iria gravar apenas uma música de Belchior, mas após conhecer e ficar íntima do cearense, resolveu ampliar o repertório.

 

Elis Regina em 1976

Belchior conquistava as pessoas não apenas com sua música, ele trazia também uma aura messiânica, sempre acolhendo e aconselhando. Quem teve a sorte de ter essa conversa com Bel, narra o quanto ele era diferente dos demais artistas de sua época, que em comum, tinham egos inflados e pouco carisma nos bastidores.

Não se sabe ao certo o que Belchior falou para Elis Regina, além de ter pedido para que ela o convidasse para hora do almoço ou do jantar, brincando com a fase financeiramente ruim que ele passava, mas o que se sabe, é que esse encontro resultou em duas canções no álbum Falso Brilhante, que foi um tremendo sucesso de vendas e críticas.

“Velha Roupa Colorida”, foi lançada por Elís numa pegada rocker, com guitarras distorcidas, acredito que propositalmente, para exorcizar a tal “Marcha contra a guitarra elétrica”, liderada pela própria Elis, em um movimento de protesto, que ela mesma, depois, acabou considerando um equívoco.

Mas a música do Bel que Elis gravou e que até hoje é uma das mais reproduzidas nas plataformas de streaming, vocês sabem qual é, né?
“Como Nossos País”

Elis elevou a importância de todos compositores que gravou, mas com Belchior foi ainda maior, pois enquanto o grande público se perguntava: “que música é essa”? Alucinação chegava nas lojas, apresentando o disco solo do compositor de “Como Nossos Pais”, que logo seria consagrado como o disco do sucesso “Apenas um Rapaz Latino Americano”.

 

Após o empurrão de Elis, Belchior foi parar na crista da onda. Fez temporada de um mês no “Centro Cultural São Paulo”, onde todo dia tinha uma fila imensa na entrada e dividiu uma temporada com a cantora “Simone” no “Teatro João Caetano”, onde tiveram que instalar um telão na frente do teatro, por causa da enorme procura.

Em 1976, Belchior se tornou um superstar!

Até em feiras agropecuárias, que hoje em dia é dominada por astros do sertanejo universitário, Belchior chegou a reunir 20 mil pessoas. Dá pra imaginar a mente dessa galera do agroshow explodindo ao ouvir Belchior? Não dá, né?

Foi nesse clima, com a imprensa o chamando de “o artista do novo”, vídeo no “Fantástico” e bilheterias esgotadas, que Belchior gravou o próximo disco e terceiro da sua carreira, chamado: “Coração Selvagem”, lançado em 1977, época em que “Hélio Rodrigues Ferraz” se tornou empresário de Bel, um cargo em que permaneceria durante os próximos trinta anos.

Apesar de não ser do ramo musical, Hélio se tornou o Braço direito de Belchior. Antes de entrar no ramo musical, ele trabalhava produzindo peças de teatro, mas largou tudo para seguir com a música.

Coração Selvagem, marca a mudança de Belchior para a “WEA” – A Warner do Brasil, que investiu pesado aqui. Além de Belchior, Raul Seixas também havia deixado a Philips e ido pra lá, ambos por influência de Marco Mazzola, que também havia produzido Alucinação. Mas dessa vez, com estrutura e mais dinheiro, então, obviamente, temos um som mais refinado e menos Rock and Roll. O grande sucesso foi a música que dá título ao disco.

As vendas de Coração Selvagem não chegaram perto de Alucinação, mas mesmo assim, é considerado por muitos fãs, como a grande obra de Belchior, por causa de sua produção mais polida e letras ideologicamente menos confrontativas. Vale lembrar da treta com os tropicalistas, que contamos em detalhes no episódio 50 do Clube. Belchior provocou Caetano Velozzo e seus amigos importantes. Aquilo, na época, foi necessário, mas o próprio Bel, em tom apaziguador, afirmou depois, que aquela rusga era coisa do passado, citando a velha roupa colorida, que já não lhe serve mais.

Foi em Coração Selvagem, que Bel lançou um de seus grandes clássicos, “Paralelas”, uma canção que já havia sido lançada por “Vanusa” em 1975, mas a interpretação que a gente gosta e acalenta os cariocas, é essa aqui, né? Vamos combinar…

O jornalista “Daniel Tozzi”, definiu Coração Selvagem como “reflexivo e erótico”, isso por que Belchior começava a surfar na música romântica, mas “o novo”, tão reverenciado nos discos anteriores, também é encontrado aqui.

Apesar de vender menos, a recepção foi ótima e Hélio Rodrigues, apesar de novato na indústria da música, soube trabalhar muito bem o disco, pois conseguiram dobrar todas as sessões nas sextas, sábados e domingos. E detalhe… Belchior nunca atrasava e nunca cancelava espetáculos; mesmo ardendo em febre, ele tomava uma injeção doída e subia no palco, sem transparecer qualquer sofrimento. E segundo Hélio, ainda atendia todos os fãs que o procuravam no camarim, dedicando até cinco minutos para cada um deles.

Belchior era um artista muito agradável e mesmo fora do ambiente artístico, mantinha o grande senso crítico e conseguia conversar com qualquer pessoa, sobre qualquer assunto.

Lendo matérias da época, notei que parte da crítica, parecia concordar que Belchior cedeu à tentação de investir no apelo sexual. O bigodão pode parecer folclórico hoje, mas na época era sexy, assim como sua voz meio rouca, particularmente anasalada, que tinha uma pegada meio folk, estilo pouco explorado na música brasileira até então. E se somarmos com a personalidade gentil, Belchior estava se tornando um sex symbol dos anos 70.

 

 

Eu seria vago se não falasse também do momento político e da influência dos militares na cultura brasileira.

Em Coração Selvagem, tem uma canção chamada “Populus”, que era pra ter sido lançada em Alucinação, aliás, Belchior queria que o nome do disco fosse “Populus”, e não Alucinação.

Os planos mudaram quando a música foi censurada pelos militares, porque tinha uma referência subliminar aos presos políticos e às torturas que ocorriam nos prédios do DOPS na época.

Antes de Alucinação, Belchior não era famoso, já na época de Coração Selvagem, ele se tornou muito popular, e os censuradores acabaram não tendo a mesma postura e acharam por bem, desta vez, liberar Populus.

Conforme crescia sua importância e influência, Belchior ia se tornando alvo e vidraça. Eram tempos espinhosos, que exigiam um confronto planejado. Mesmo com várias canções tolhidas pela censura, Belchior nunca quis ser ponta de lança, nem militar contra o regime de exceção. Sua abordagem ao falar de política, sempre foi mais consoante, citando mais “Mikhail Bakunin”, do que “Marx” ou “Lênin”.

“Não é simplesmente a arte ou a informação que estão sendo censuradas, mas todo o povo. Como é mais difícil censurar todo o povo, censuram-se os intelectuais, os artistas, a imprensa. Eu não faço música partidária. Eu sou a favor de um recrudescimento das qualidades individuais, diante de qualquer instituição e também da instituição política. Se tem governo, eu sou contra. Se tem partido, eu sou contra. Eu não quero pertencer a partido, igreja, escola, a nenhum grupo institucional. Eu só pertenceria a um partido que não quisesse o poder”.

No final dos anos 1970, não só os militares estavam enfraquecidos, mas também o movimento hippie que vinha perdendo seus adeptos. Porém, Belchior envelheceu bem; até hoje e talvez sempre, ouvir Belchior, será uma reflexão e por isso, ele conseguia se encaixar em todas as tribos.

Hélio, por sua vez, mantinha a agenda com uma média de 130 shows por ano, fora as eventuais apresentações pela Europa e Estados Unidos.

A Warner fazia todas as suas vontades e também o bajulava. Eles queriam mais discos de sucesso e foi nesse clima de bajulação, que Belchior entrou em estúdio para gravar seu quarto trabalho: “Todos os Sentidos”, lançado em 1978 e como não poderia ser diferente, a música de trabalho foi “A Divina Comédia Humana”.

 

Se liga nessa frase: “Estava mais angustiado que um goleiro na hora do gol”.

Belchior era refinado? Sim! Mas sabia conversar com as massas. Eu adoro essa comparação, por que, salvo exceções, um goleiro de futebol está ali, apenas para evitar que seu time sofra o gol. Sendo esse um esporte tão popular, e sendo o gol o momento ápice da partida, o mais fotografado, que vai ser a capa da página de esportes, como não assimilar a expressão de angústia de um goleiro imponente, vendo a bola passar por ele, prestes a entrar no gol?

Marco Mazzola

“Todos os Sentidos”, novamente, foi produzido por Mazolla, que dessa vez, contou com a ajuda de “Liminha” na coprodução e pela primeira vez, Belchior gravou nos E.U.A., no “Westlake Studio” e contou com apoio de músicos americanos experientes. Quando perguntado sobre isso, Bel foi cauteloso ao descrever o deslumbre em ter acesso aos equipamentos de ponta e aos profissionais americanos, dizendo que foi uma experiência importante. Mas ele não havia se impressionado muito, pois… “Eu venho de uma realidade artesanal, rudimentar, em que você sabe que pode se exprimir com meios precários e até se contentar com determinadas imperfeições”.

Bel sabia se expressar com sabedoria e com respeito. Conseguia falar tudo o que queria ao seu algoz e ainda tomar um vinho com ele no final. Nesse disco, gravado nos E.U.A., ele resolveu resgatar uma música muito densa e enigmática da sua carreira, que também está no primeiro disco, “Na Hora do Almoço”, que até foi bem na época, mas devido a adição de elementos sonoros não usuais, essa versão de 1978, acabou ficando datada.

Quem estava próximo, afirma que Belchior voltou diferente dos E.U.A., mais engraçado, extravagante, trazendo roupas com plumas e paetês. É que ele passou boa parte do tempo que esteve em Los Angeles junto com “Ney Matogrosso”, que provavelmente o influenciou, aliás, quem conviveu com Belchior, também comenta que sua sexualidade era indefinida.

E não por acaso, suas músicas ficaram ainda mais sensuais. Belchior estava entrando em um novo nicho, do público feminino, por acaso, o mesmo publico que consumia “Roberto Carlos” e “Chico Buarque”, apesar desse apelo comercial, incomodar alguns fãs e principalmente os críticos. Preocupado, Bel os respondeu:

“Numa sociedade politicamente reprimida existe, consequentemente, uma sensualidade reprimida. Por isso tudo é que não adianta nada fazer um disco que não mobilize a consciência das pessoas”.

“Medo de Avião”, é um clássico que não podia faltar nos shows de Belchior e foi lançado em 1979, no seu quinto álbum, chamado: “Era Uma Vez Um Homem E Seu Tempo”, aliás, Medo de Avião, saiu nesse disco em duas versões, uma versão rádio mais popular, que foi a que fez sucesso, e essa aqui também, que tem uma melodia mais complexa. Perceba…

O motivo de Medo de Avião estar em duas versões no disco, é ótimo. Acontece que, Belchior, simplesmente esqueceu que havia pedido a “Gilberto Gil” que arranjasse essa canção e durante a fase de produção, fez a sua própria versão, porém, quando Gil enviou o material, Bel achou deselegante não lançá-la, se justificou com Gil e resolveu manter as duas versões de Medo de Avião no disco.

Esse quinto LP, mostra um Belchior preocupado com as críticas e os rumos de sua carreira. Claramente, ele demonstra estar tentando refazer conexões com o passado, com a música Folk de “Bob Dylan”, que sempre foi a sua grande referência, citando também os “Beatles”, tanto em Medo de Avião, quanto em “Comentário a Respeito de John”, que Bel escreveu em parceria com “Luiz Penna”, e é uma canção emblemática.

A letra, faz clara alusão à vontade de Lennon de deixar a banda e seguir a vida com Yoko Ono, mas a impressão que se teve na época, foi que os autores estavam prevendo a morte de Lennon. Quando dizem: “John, a felicidade é uma arma quente”, apesar de ser a tradução do título de uma música de Lennon e McCartney, essa frase impactou, pois poucos meses depois, em 1980, John Lennon morreu baleado.

“Era Uma Vez Um Homem E O Seu Tempo”, trouxe de volta temas políticos e depois de Alucinação, é o disco de Belchior que mais rendeu hits. Além de Medo de Avião e Comentário a Respeito de John, “Brasileiramente Linda” e “Tudo Outra Vez”, também foram sucessos nas AMs e FMs do Brasil.

Uma outra curiosidade, é que esse álbum não foi produzido por Marco Mazzola e sim por “Gutti Carvalho”, um dos fundadores da Warner no Brasil.

Eu até gostaria de saber por que Mazzola deixou de produzir Belchior. Ele tem um canal no Instagram onde comenta fatos curiosos dos discos que produziu. Tentei contato com ele mas não obtive resposta.

Enfim… o fato é que, a partir de 1980, os discos de Belchior perdem um pouco da novidade, o aproximando mais do tradicionalismo comercial que as gravadoras pregavam.

 

“Objeto Direto”, foi lançado em 1980, com essa levada mais funkeada e a frase que eu adoro: “a verdade está no Vinho”.

é impressionante como vinho e Belchior combinam. Eu recomendo, mas com moderação, por que também é assustador como as letras começam a fazer muito mais sentido e podem também te levar para um lado mais melancólico.

Em Objeto Direto, Belchior retoma a parceria com “Fagner” e além de relançarem o sucesso da dupla,”Mucuripe”, Fagner participou cantando “Aguapé”, inspirado no poema: “A Cruz na Estrada”, de “Castro Alves”, uma canção até então inacabada, que Belchior começou a escrever em 1969.

Belchior passou o ano de 1981 sem lançar discos, só retornando em 1982, com “Paraíso”, que chegava menos solene e mais otimista. Essa é a melhor capa de Belchior na minha opinião, com uma espécie de bandeira brasileira estilizada e Belchior sorrindo no centro, evidenciando os planos futuros, pois estava montando o seu próprio selo, que não por acaso, se chamaria: “Paraíso Discos”.

O maior sucesso foi essa canção, chamada: “Que Tudo Mais Vá Para O Céu”, escrita em parceria com “Jorge Mautner”, mas também teve outras parcerias importantes: “Aguilar”, “Guilherme Arantes” e “Arnaldo Antunes” (esse ultimo em comecinho de carreira, mas já impressionando Bel).

O embrião dos “Titãs”, surgiu com o projeto “Aguilar e a Banda Performática”, que por acaso foi produzido por Belchior. Ele, na época, ficou muito amigo do Aguilar, que era um artista plástico a frente do seu tempo, que também influenciou Bel na pintura. Esse é aquele disco que tem o clássico: “Você Escolheu Errado Seu Super-Herói”.

O contato com Aguilar, também abriu os olhos de Bel para movimentos independentes e alternativos e foi por isso que ele resolveu ter sua própria gravadora. A Paraíso Discos, foi criada em um churrasco em São Paulo, onde estavam Jorge Benjor, Moraes Moreira e outros astros. Bel se aproximou do amigo “Jorge Mello”, músico e advogado, e perguntou como criar uma gravadora que gravasse e editasse suas músicas. Jorge Mello coçou a cabeça, pensou por alguns segundos e não viu alternativa, a não ser propor uma sociedade a Belchior. Acertaram meio a meio, alugaram três salas em um conjunto comercial e a partir de 1984, passaram a lançar seus próprios álbuns. E o próximo, foi “Cenas do Próximo Capítulo”, de 1984, que abre com Belchior interpretando “Raul Seixas”.

“Cenas do Próximo Capítulo”, é um disco que não me bateu legal; essa bateria programada, apesar de ser uma novidade na época, deixou o trabalho datado.

1984, Foi um ano muito importante para Belchior, ele resolveu participar ativamente dos destinos do país e engajou-se na campanha das “Diretas Já”. Bel esteve presente no histórico palco da praça da Sé. E não só isso, viajou com a comitiva para muitas capitais e foi um dos artistas mais influentes do movimento.

Belchior já não vivia seu momento discográfico mais brilhante. Estava vendendo pouco, se comparado a sucessos anteriores, mas continuava forçando seus próprios limites.

Banda Radar e Belchior

Em 1986, ele recrutou aquela que seria a sua banda mais longeva, a “Radar”, que o acompanhou durante mais de dez anos e gravou dez discos com ele. Entre eles, cito “Melodrama” de 1987, “Elogio da Loucura de 1988 e três discos ao vivo, lançados em 86, 90 e 95.

Um outro fato curioso sobre a banda Radar, é que eles eram a banda de apoio de Raul Seixas, e assim que se separaram, Belchior, que já havia os assistido e gostado do que viu, fez o convite, que foi prontamente aceito.

A partir dos anos 90, os lançamentos de Belchior, infelizmente, entraram em um loop de repetição. Ele não conseguiu mais se reinventar e a maioria dos seus álbuns dessa fase, são coletâneas, com uma ou outra música inédita, sem grande repercussão.

A gente respeita a obra como um todo, mas os anos 90, acabou marcado pelas incessantes turnês pelo interior do Brasil e as vezes, fora do Brasil também.

Reza a lenda, que Belchior e a banda Radar fizeram 35 shows em um mês.

Como a popularidade do cantor havia diminuído, Bel e Hélio, bolaram uma apresentação prática e eficiente, com estrutura simples e sem grandes exigências dos contratantes, para caber em pequenos palcos pelo interior a fora e ao mesmo tempo, não decepcionar nos grandes eventos.

Bel, era um dos poucos artistas que remunerava seus músicos de acordo com a tabela da “Ordem dos Músicos do Brasil” e corrigia a inflação baseado na variação do Dólar. Quem viveu tempos de hiperinflação e plano Collor, vai lembrar do perrengue.

Vale lembrar também, que Bel adorava a imprevisibilidade da estrada. Ele aproveitava os momentos de solidão para ler, escrever e fumar o seu velho cachimbo, sempre sereno e disposto a dar um bom conselho ou compartilhar uma garrafa de vinho. Enquanto muitos artistas acabam deprimidos na estrada, longe da família, Bel, passava até 3 meses fora de casa. Então, obviamente isso teve consequências na sua vida matrimonial. Ele foi casado com “Ângela Margareth Henman” por 30 anos. Ela é inglesa e eles se conheceram em um retiro espiritual, quando Bel era ainda um cantor de pouca expressão. Casaram-se em 1976 e no mesmo ano, nasceu a primeira filha, “Camila”, depois veio “Mikael”, em1981.

Nesses anos 90, de muita estrada, vinho e encontros casuais, Belchior acabou se apaixonando novamente. E para lhes contar essa história, que foi divisora de águas na vida de Bel, vou usar na íntegra, um capítulo de “Apenas Um Rapaz Latino Americano”, escrito por “Jotabê Medeiros”, chamado “Vício Elegante”, o tema do episódio 58 do Clube.

 

Belchior chegou até o bar em Fortaleza na Avenida Beira Mar, já um pouco tarde, onze da noite, naquela noite de setembro de 1990.

As mulheres assanharam-se. Uma japonesa paulista lhe pediu um autógrafo, uma mulata deixou seu perfume no colarinho dele, uma loira miúda lhe sorriu significativamente a caminho da toalete. Mas houve uma garota, de uns vinte anos, que não lhe deu a mínima atenção, embora as amigas de sua mesa tivessem se dependurado nele. A estudante de psicologia “Vilédia Bezerra de Souza”, não o achou exatamente

atraente, e aquilo desafiou Bel.

Ele se aproximou e começou a conversar. Falaram de ideogramas, cultura chinesa, desenhos simbólicos. Ficaram mais próximos. Ele pediu o telefone da moça. Não parecia promissor, Vilédia continuava sem entusiasmo.

 

Seis meses depois, Belchior ligou. Em março de 1991, ele voltou à Fortaleza, dessa vez, para trabalhar. Estava em turnê.

Saíram. Ele foi mais incisivo e começaram a namorar.

 

Belchior lhe contou que tinha saído da casa da mulher, Ângela, e estava morando no escritório. Estava com dificuldades para conseguir o divórcio, afirmava.

Fortaleza inteira ficou sabendo que Belchior estava com uma “estudante de psicologia”. Vilédia ficou um pouco chateada, ouvia muita conversa em volta, mas como estava apaixonada, engoliu as maledicências.

Juntos, frequentavam  restaurantes japoneses, como o Mikado, o Cais Bar, o Estoril. Ela passou a ajudá-lo nas turnês. Fazia pequenas enquetes entre o público para aprimorar algum número musical. “Ele não estava compondo naquela época, então a gente trabalhava para melhorar as apresentações”, contou Vilédia.

Em 1996, Belchior ficou acabrunhado com algumas resenhas de jornais e revistas, que diziam que ele estava repetitivo nos shows. Vilédia o convenceu a apostar na veia de intérprete. “Sabe, Bel, tem artistas que cantam músicas de outros artistas. Por que você não faz um disco assim”? Ela lhe disse.

Belchior gravou então o disco “Vício Elegante”, no qual, quase todas as canções foram escolhidas ou tiveram a aprovação dela. A única composição inédita do álbum, a que dá título ao disco (escrita por ele e Ricardo Bacelar), foi composta para ela.

Vício Elegante, reunia composições de Adriana Calcanhoto, Zé Ramalho, Chico Buarque, Djavan e até algumas pérolas do brega.

No mundo das fofocas, sempre que falavam a respeito de Vilédia Bezerra de Souza, era para retratar alguém que se beneficiou de alguma forma de Belchior. Mas os amigos de ambos lembram dela como uma garota prestativa, que ajudava Belchior, além de lhe fornecer cama, mesa e banho, em seu apartamento no bucólico Parque do Cocó. Ela foi a mulher de Bel durante onze anos, de setembro de 1990 até 2001. A casa dela era dele. Ali, Belchior pintava ideogramas, tinha sua caixa de tintas e pincéis e outros pertences pessoais. Passava o dia na casa da mãe e à noite chegava para o tatame de Vilédia, que ele chamava de seu jardim japonês. Ela fazia sessões de hipnose com ele (era também terapeuta holística e praticante de hipnose). Hoje, Vilédia usa o codinome “Yang Li”.

“Um caso não dura onze anos. Nós só não casamos porque ela não quis dar o divórcio”, lembra Yang Li. “Ela”, era Angela, a inglesa, como se referem comumente a Angela Henman.

“O que vale é o coração, o que vale é o que sente. Não fiz questão de ficar aparecendo.”.

Vilédia Yang Li

Em 24 de fevereiro de 1997, nasceu Vannick, filha de Vilédia e Belchior. Foi uma dupla surpresa para o cantor.

Quase ao mesmo tempo, veio do interior de São Paulo a notícia de que outra namorada ficara grávida de Belchior, a professora Denise Garcia, que ligava com frequência para o telefone que supunha ser dele em Fortaleza. Mas quem atendia era Vilédia, então o caos começou a se instalar.

A professora Denise passou apenas uma noite com Belchior após um show. Era uma fã dedicada que ia vê-lo sempre que ele passava pelo interior. Foram descuidados, ambos, e ela ficou grávida após uma única noite de amor. Belchior assumiu a menina, a registrou, pagava pensão, mas não ia vê-la e também não acompanhava seu desenvolvimento.

A situação não era melhor na capital do Ceará: Vilédia encafifou que Belchior estava tendo outro caso, desta vez com a cantora Lúcia Menezes, que conhecia desde menina. Não era verdade, mas Vilédia não aguentou o que supunha mais uma prova de amor repartido e lhe pediu que saísse de casa. Apesar de ser um pai presente e amoroso, ao sumir, em 2007, Belchior deixou Vannick, então com dez anos, sem assistência. Na verdade, ele deixou tudo para trás, não apenas Vannick, e, quando parou de pagar pensão, não deixou alternativa a Vilédia, senão entrar na Justiça. Fez teste de DNA para garantir sua postulação judicial, e ganhou. Vannick tem certidão de nascimento com o nome do pai, que ela só foi rever tempos depois no Fantástico, acossado por uma equipe de reportagem no Uruguai.

A imprensa transformou aquilo em um escândalo desproporcional, Belchior apenas resolveu se afastar de tudo sem deixar satisfações aos credores. Alguns anos depois o assunto viralizou…

Como percebe-se, houve um sensacionalismo desproporcional por parte do Fantástico nessa matéria produzida por “Francisco Regueira”, que apenas expôs Bel em um momento de profunda reflexão existencial.

Em nenhum momento ele foi rude com a repórter, mas seria compreensível se ele dissesse: Estou onde quero, com quem gosto. Não tenho nada a explicar a ninguém, pois sou livre.

Na edição final, provavelmente, perceberam o quanto invasiva a matéria tinha sido e para finalizar, convidaram colegas e artistas para chamar Belchior de volta..

Mas ele nunca mais voltou da forma que a repórter desejava.

Belchior continuou recluso e faleceu de causas naturais no dia 30 de abril de 2017, aos 70 anos, na cidade de Santa Cruz do Sul.

O governador do Ceará, decretou luto oficial de três dias, providenciando o traslado do corpo, garantindo assim o desejo do cantor de ser enterrado no Estado do Ceará, sendo velado em Sobral, sua cidade natal, e sepultado em Fortaleza.

Assim vamos chegando ao fim de mais um episódio, mas gostaria de acrescentar que por traz do desaparecimento de Belchior, tem uma figura enigmática, uma mulher chamada Edna que assinava com o pseudonimo de Edna Prometheus.

E com esse nome de tragédia grega, ela é apontada por alguns biógrafos e fãs, de ter sido uma má influência para Belchior.

Bom, mas esse é um caso complexo que precisaria ser apurado  em um outro episódio do Clube sobre o Bel, né?

Indicação do Cocão: música Vício Elegante foi composta por Belchior em parceria com Ricardo Bacelar, um pianista, compositor e arranjador cearense, que foi membro da banda Hanoi Hanoi, que fez bastante sucesso lá nos anos 80. Lembra?

Além de participar dessa composição, foi ele que fez todos os arranjos do disco Vício Elegante.

E para encerrar, Vício Elegante que Ricardo ele lançou em 2018 em homenagem ao Belchior. E olha, ficou lindíssima. Escuta aí!

 

O Clube da Música Autoral, é um oferecimento dos sócios desse clube. Foi um prazer falar de música com você e até próxima!

Roteiro: Gilson de Lazari

Locução: Gilson de Lazari

Revisão: Gus Ferroni

Arte da vitrine: Patrick Lima

Edição de áudio: Rogério Silva

 

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